GUILHERME W. MACHADO
Primeiramente, gostaria de deixar claro que A Estrada Perdida [1997], como muitos
filmes de David Lynch, é uma obra tão rica em simbolismos e com uma narrativa
tão intrincada que não é adequado afirmar tê-la compreendido por completo. Ao
contrário de um deturpado senso comum, entretanto, creio que essas obras (aqui
também se encaixa o mais conhecido Cidade
dos Sonhos) possuem sentido e que não são apenas plataformas nas quais o
diretor simplesmente despeja simbolismos para que se conectem por conta própria
no acaso da mente do espectador. Há filmes que mais claramente – ainda que não
tão ao extremo quanto dito, pois não existe verdadeira gratuidade na arte –
optam pela multiplicidade interpretativa, como 2001: Uma Odisseia no Espaço [1968] e Ano Passado em Marienbad [1961], por exemplo. Não acredito ser o
caso dos filmes de Lynch, nos quais é possível encontrar (mediante um esforço
do espectador de juntar os fragmentos disponíveis e interpretá-los) enredos que
são, muitas vezes, bem menos experimentais do que suas abordagens sugerem.
Ainda assim, por mais que eu creia ter encontrado uma explicação plausível para
a obra, apoiada por exemplificações de passagens da mesma, não tenho a
pretensão de achar que compreendi todos seus mistérios. Essa é, portanto, uma
explicação do enredo da obra – por si só bastante complicado – e não um
destrinchamento exaustivo, e quase impossível, de cada simbologia presente na
mesma. Sem mais delongas, vamos à ela:
OBS: Esse texto contém muitos SPOILERS, não leia sem ter visto o filme.
Fred Madison (Bill Pullman) é um saxofonista que faz shows
noturnos em bares. Numa noite, quando sua mulher Renee (Patricia Arquette) o
diz que não vai no seu show, ele começa a suspeitar da fidelidade desta. Isso
se soma a outra noite em que havia visto sua mulher durante o show com outro
homem. A ideia de que a sua mulher estava tendo um caso começa a crescer na sua
cabeça e se tornar quase uma obsessão e por isso ele tenta surpreendê-la ao
voltar para casa antes do esperado um dia, porém a encontra lá. Aqui Lynch nos
confunde quebrando a linha do tempo, pois nos mostra esses eventos de forma não
linear, fazendo que pensemos que tudo isso foi no mesmo dia.
Paralelamente a isso, eles começam a receber
misteriosas fitas de vídeo que mostram sua casa (sim, foi anterior a Caché). No início apenas a parte
externa e depois por dentro, inclusive uma filmagem dos dois dormindo. Quando
as fitas começam a ficar mais preocupantes eles chamam a polícia, que não se
mostra muito preocupada com o ocorrido. É neste momento que temos uma mensagem
singela, porém fundamental para a compreensão do filme. A mensagem se da quando
um dos detetives pergunta para o casal se eles possuem uma câmera de vídeo em
casa e eles explicam que não, pois Fred prefere se lembrar das coisas do seu
jeito, e completa depois: "do jeito que eu lembro, não necessariamente
como elas aconteceram". Nesse momento do filme também somos apresentados
ao seu personagem mais misterioso, que também é um dos mais importantes. O
estranho homem que Fred encontra em uma festa. A interpretação mais provável –
e talvez a mais fácil – para este personagem é que ele seja a personificação
dos sentimentos obscuros do personagem principal nesse momento de sua vida.
Depois da estranha morte de Renee e da prisão de Fred
como suspeito do assassinato, há uma grande virada na história (grande truque
repetido por Lynch alguns anos depois em Cidade
dos Sonhos). Na prisão, Fred Madison transforma-se em Pete Dayton. Essa
transformação é como uma realidade distorcida idealizada por Fred, na qual ele irá nos mostrar os fatos à sua maneira. Para isso ele criou uma nova história ilusória,
tentando mascarar a dolorosa verdade – de que assassinou sua mulher, assim como
seu possível amante, numa crise paranóica de ciúmes – numa versão mais “aceitável” dos acontecimentos. Um indício mais
claro de que Pete é um disfarce, um artifício psicológico para Fred ver a
realidade à sua forma, é quando o garoto fica desnecessariamente perturbado e desliga o rádio ao
ouvir uma música de saxofone, pois isso é um elemento real da vida de Fred, o
remete à terrível realidade, prejudicando a ilusão.
Nessa segunda metade temos, então, Pete, um jovem
mecânico que se apaixona pela namorada de um gangster (para o qual ele concerta
os carros). Pete ao descobrir que a mulher pela qual se apaixonara havia feito
filmes pornô à mando de Eddie Laurent (o gangster), acaba, pouco após matar
Andy (amigo de Laurent que o ajudava com os vídeos) acidentalmente e roubá-lo,
tendo um colapso mental e se transformando novamente em Fred.
Apenas nos momentos finais que se esclarece - não tão
explicitamente assim - que Fred Madison realmente matou sua mulher, após ter
matado Andy (?) e Dick Laurent (Eddie Laurent) e que aquele recado inicial no seu
interfone fora deixado por ele mesmo, para lembrar que havia "matado"
(superado) o motivo de seu transtorno. As cenas de um carro andando em uma
estrada que são mostradas no início, no meio e na última cena do filme
representariam a estrada perdida, sem volta, tomada pelo protagonista.
Fantastica interpretação
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