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O Regresso (Alejandro González Iñarritu, 2015)

GUILHERME W. MACHADO

Independentemente de tudo que possa ser dito sobre O Regresso – e muito o está sendo – o novo filme de Iñarritu é, antes de mais nada, uma experiência cinematográfica. Vou nesse texto analisar alguns de seus aspectos mais conceituais e pontuar os defeitos e as qualidades que percebi, mas no fim das contas o que realmente importa nesse tipo de cinema ao qual o diretor mexicano se propôs (uma proposta bastante diferente daquela de Birdman, deve-se dizer), é a forma como cada espectador sentiu o filme. Para aqueles com os quais a experiência não foi intensa, fica difícil gostar, pois O Regresso é, acima de tudo, um filme sensorial.

O espetáculo estético proposto por Iñarritu e o gênio Emmanuel Lubezki causa certa nostalgia, é um tipo de cinema essencialmente visual, com a história contada majoritariamente pelas imagens e pelas sensações. Um cinema-espetáculo que remete, com certa distância, a grandes épicos como Lawrence da Arábia, E o Vento Levou... e Ben-Hur. É interessante como o diretor/roteirista que há pouco optou por uma abordagem tão verborrágica e intelectualizada em Birdman (fator que veio a irritar muita gente), adota agora outra tão física e visceral em seu novo filme.
Por outro lado, para aqueles que não se contentam em apenas experienciar o filme, há mais que pode ser encontrado em O Regresso. Iñarritu trata, sem a pedância intelectual pela qual era tão criticado, da relação do homem com a terra, da vingança, da construção da “civilização” num ambiente “selvagem” e da questão indígena nos Estados Unidos. Por mais que nenhum desses temas seja destrinchado filosoficamente no filme – que possui poucos diálogos para a sua duração –, eles podem ser sentidos pelo espectador, quase como na pele, durante a projeção.

É evidente que, como a superprodução que é, O Regresso não seria possível sem a excelência técnica que possui. Iñarritu e sua equipe criam uma ambientação tal que coloca o espectador junto da ação e do sofrimento do protagonista. O trabalho de som é fantástico, o design de produção tem um realismo palpável e a maquiagem (muito mais essencial do que eu imaginava) chega ao ponto de moldar seus personagens. Isso para não falar dos efeitos especiais na memorável cena do urso – apesar do filme também contar com CGI na construção de outros animais selvagens –, que é chover no molhado. A fotografia de Lubezki, entretanto, é algo à parte, utilizando apenas luz natural (semelhante ao feito lendário de John Alcott na fotografia de Barry Lyndon), o mexicano realiza aquele que provavelmente é o seu melhor trabalho. Atingindo uma estética apuradíssima sem abandonar, na verdade até realçando, o realismo.

Há um ponto de razão, todavia, nas críticas que apontam o contraste entre todo esse realismo técnico do filme com as pretensões oníricas e filosóficas de alguns planos de Iñarritu – como seus diversos planos-paisagem numa espécie de emulação de Terrence Malick. Em sua defesa, vale lembrar que Lubezki é o diretor de fotografia dos últimos filmes de Malick (desde O Novo Mundo, de 2005) e pode ter trazido consigo essa influência para o filme de Iñarritu. Acho preciosismo, para não dizer implicância, invalidar o filme por conta desse egocentrismo de Iñarritu, que realmente busca desmedidamente agregar valor “artístico e autoral” aos seus filmes recentes. Vejo algo quase admirável em sua ambição, mas concordo que o diretor não precisava carregar tanto a mão.
A despeito de seus excessos, a direção do filme é primorosa. Não pelos seus anseios artísticos, mas pela abordagem da ação. Iñarritu pareceu finalmente encontrar o equilíbrio entre o seu estilo mais entrecortado dos primeiros filmes (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel, conhecidos como a “trilogia da morte”) e a obsessão pelo plano-sequência de Birdman. A câmera flui em O Regresso, mesmo no ápice das cenas de ação, mas em excelente sintonia com a montagem de Stephen Mirrione, que nem acelera demais, nem deixa um único plano tomar conta de toda cena. Essa fluidez perfeitamente balanceada nos coloca junto dos personagens, dentro da batalha, e a forma como o diretor facilmente troca, num mesmo plano, de personagem para personagem e de close-up para wide shot é memorável e demonstra extrema habilidade. Poucas vezes na minha vida vi uma cena de batalha tão fantástica quanto aquela do primeiro embate com os índios. Dentro do gênero, Iñarritu conseguiu a proeza de superar até mesmo o grande Michael Mann e seu O Último dos Moicanos.

O Regresso pode até compartilhar de alguns dos defeitos trazidos pelo ego de seu diretor, mas, no balanço geral, suas qualidades extrapolam com facilidade seus pontos fracos. Para finalizar, num breve comentário sobre o elenco digo o seguinte: DiCaprio, impressionante com sua atuação física, pode não estar no melhor de sua carreira, mas não encontra dificuldade alguma em carregar um filme de duas horas e meia com muito pouco diálogo; Tom Hardy, por sua vez, destaca-se muito acima do esperado, com uma fortíssima presença de tela aliada à sua notável habilidade com as expressões faciais, nunca exageradas. Desempenho de Oscar.


NOTA (3.5/5.0)

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