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Crítica - Ela (Her, 2013)




Guilherme W. Machado

O novo filme de Spike Jonze - diretor que fez sua fama dirigindo roteiros de Charlie Kaufman - se vale de uma ótica romântica para suavizar um possível futuro perigosamente distópico. A intenção pode parecer boba; o resultado, entretanto, vai muito além do esperado. A bela história de amor entre um homem solitário (e depressivo) e um sistema operacional - com inteligência artificial - contrasta com um cenário futurista pessimista, ainda que muito bem mascarado, onde a incapacidade de comunicação entre as pessoas cresce cada vez mais.
A crítica social aparece como um dos elementos chave da obra, mas Spike Jonze foi inteligente o bastante para não supervalorizá-la, colocando-a em segundo plano em relação ao romance. Dando uma história para seu filme, Jonze evita que esse se torne apenas uma chata propaganda antifuturista e consegue, ao mesmo tempo, expressar claramente suas críticas e ainda dar cadenciamento ao filme, tornando-o, assim, acessível a um número maior de espectadores, que poderiam evitá-lo caso fosse apenas uma obra “Cult” (ainda não gosto desse termo, mas fazer o quê) pessimista.


A premissa distópica desse possível futuro desenvolve um tema que ficou famoso nas mãos do mestre italiano Michelangelo Antonioni: a incomunicabilidade. Num futuro ainda mais tecnológico e sem fronteiras que nosso, as pessoas constantemente se tornam mais incapazes de se comunicar umas com as outras, ao ponto de contratarem serviços profissionais para a escrita de cartas que envolvem (ou deveriam envolver) sentimentos profundos, que só poderiam ser expressos de forma verdadeira pela própria pessoa. As relações são cada vez mais superficiais ao ponto da humanidade necessitar de sistemas operacionais inteligentes para poder ter uma conversa séria. Esse é o cenário futurista brilhantemente criado por Spike Jonze.

Com todas essas ironias gritando na tela, se estabelece, como fio condutor do filme, uma história de amor entre um homem, que sofre de depressão causada pela sua recente separação, e seu recém-comprado sistema operacional. A intensidade do romance é ótima – sem carregar muito, mas sem torná-lo indiferente ao filme – e deve-se, principalmente, a duas coisas: às atuações, principalmente de Joaquin Phoenix, um ator brilhante que carece urgentemente de reconhecimento; e à trilha sonora que, apesar de muito simples, combina perfeitamente com o filme e cria uma atmosfera extremamente favorável à proposta do mesmo.

O roteiro dispensa comentários, sendo o maior atrativo do filme, por tudo o que já falei neste texto: crítica social bem construída, história de amor interessante e sem cair nos clichês, além de apresentar ótimos diálogos e criar um mundo futurista plenamente possível e coerente (coisa muito difícil de se fazer). A direção de Jonze é sutil e acerta em cheio em certos momentos, mas ainda falta algo que o destaque acima dos outros.


Muito importante, principalmente num filme desse tipo (futurista), foi o visual, que, num geral, foi excelente também. Principalmente a direção de arte, que não carrega o cenário futurista tecnológico (que já é muito caricato desde que Fritz Lang fez Metrópolis, em 1927), mas não abre mão de belas estruturas condizentes com o tempo-espaço da obra. A fotografia também cumpre muito bem seu papel e foi injustamente esnobada pela lista de indicados do Oscar.

Enfim, é muito difícil apontar pontos fracos em Ela, pois o filme se mostra muito consistente em todas suas áreas. Pode-se dizer que Spike Jonze acertou, e muito, no seu novo e ousado projeto – é o tipo de filme que facilmente poderia ter sido ignorado pelo grande público. Para não apenas elogiar, a única coisa que me incomodou um pouco foi o final que, ainda que subentendido, foi simplista, mas nada que abale esse grande filme.


NOTA


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