MATHEUS R.B. HENTSCHKE
Um relógio quebrado. Um relógio vistoso. Um relógio primoroso. Um relojoeiro, profissão que se destina a reparar relógios, apenas conseguirá dizer, com exatidão, acerca da qualidade de um relógio, se abri-lo e visualizar o funcionamento de suas engrenagens internas. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), com seus bombardeios sonoros e ilusões visuais, necessita do mesmo trato que um relojoeiro dá ao seu material de trabalho, a fim de conseguir analisar com precisão o que funciona e o que é apenas um embuste na película tão aclamada pela crítica em geral.
Riggan
Thomson (Michael Keaton) é um ator que viveu seu auge no cinema como o herói
Birdman, em três filmes de grande sucesso, nos anos 90. Com o passar dos anos e
sua carreira beirando ao final, Riggan resolve voltar para mais uma empreitada
como ator, agora também como diretor, na Broadway. Contudo a história não se
limita a esse simples enredo, mas sim adiciona várias outras alegorias e
referências, que vai desde as mais corriqueiras, como a de um homem fora de seu
tempo contrastando com as redes sociais, até as mais inusitadas, como a das possíveis
habilidades de levitação e telecinese do protagonista com margem para diversas
interpretações.
De fato,
Alejandro González Iñarritu (Babel e 21 Gramas), diretor e um dos quatro
roteiristas da película, tenta trabalhar vários tópicos com seu roteiro: os
excessos cometidos pelos críticos da arte, que só sabem rotular, a dura vida de
um homem frustrado e egoísta, que a tudo perde por não saber pensar em outra
coisa além de si, as redes sociais e aqueles que optam por não aderi-la, o
relacionamento pai e filha, a relação entre atores e atrizes, a vida de alguém
que se recupera das drogas, uma sátira do caminho que Hollywood está tomando ao
valorizar filmes de ação em contraste com filmes "sérios"... Enfim,
entre outros assuntos. Sem dúvida, Birdman acaba por ser exageradamente ousado
na sua ânsia de falar sobre vários tópicos e de ser abrangente, entretanto não
aprofunda quase nenhuma dessas questões deixando de ser ousado e se tornando
apenas pretensioso (impossível não rotular algo tão evidente). Realmente é uma
incógnita o porquê da indicação ao Oscar de melhor roteiro para tal filme, uma
vez que é notória a tentativa de Birdman em ser complexo e agressivo, contudo
não o consegue faze-lo e todo e qualquer mérito que o filme possa merecer corre
longe de seu roteiro.
Em contrapartida,
Alejandro González Iñarritu como diretor se mostra muito habilidoso, bem como
seu diretor de fotografia Emmanuel Lubeski. Iñarritu opta por entregar um
verdadeiro show visual, que mostra toda a sua perícia como diretor,
tecnicamente falando. Tal ponto está bem ilustrado nas inúmeras cenas de plano
médio focando, quase sempre, as costas de seu personagem e valorizando os
corredores do teatro, onde boa parte da película se passa, concedendo uma marca
interessante ao trabalho do diretor. Convergente a isso, Lubeski tenta
ludibriar os espectadores com seus planos-sequência que emulam a ausência de
cortes e concedem a película uma ideia de continuidade fantástica. Essa
parceria, aliada a uma trilha sonora perturbadora, concedem a Birdman uma sensação
claustrofóbica e agitada, de estarmos habitando o mesmo ambiente daqueles
personagens cheios de peculiaridades e problemas. Apesar de toda essa qualidade
técnica, o filme acaba por se tornar exaustivo com toda essa atmosfera passada
e suas repetições de planos e truques visuais. Além disso, acaba por se tornar
vazio, visto que o roteiro de Iñarritu não acompanha sua habilidade como
diretor, com diálogos fracos e seu falho múltiplo foco em questões diversas sem
aprofundá-las.
No meio
de toda essa overdose imagética e de delírios alegóricos, há um poderoso
elenco, pelo menos no papel. Formado por Naomi Watts, Emma Stone, Edward Norton
e capitaneados por Michael Keaton, o grupo se mostra bem entrosado e nomes de
peso, como esses, bem entrosados deveria representar cenas marcantes e fortes
destaques nas atuações. Entretanto, tal previsão não se concretiza e o que se
vê é grandes atores e atrizes que funcionam juntos, mas, possivelmente, graças
a um roteiro pífio, ninguém consegue se sobressair. A personagem de Naomi Watts
aparece pouco e é mal desenvolvida, todavia sua habilidade de atuação é tão
grande que, mesmo assim, consegue desempenhar bem o seu papel. Michael Keaton,
protagonizando um papel análogo ao de sua vida, é superestimado pela academia
ao concorrer como favorito ao Oscar de melhor ator. Keaton atuou apenas bem e
tem uma indicação merecida, ainda que a vitória seja um exagero, uma hipérbole.
Emma Stone se mostra a atriz mais interessante nesse elenco estrelar, ao conseguir
dar vida a uma personagem revoltada, com problemas com o pai e as drogas, sem
nunca soar forçada ou estereotipada. Recebe uma justa indicação ao Oscar de
melhor atriz coadjuvante e uma forte promessa para o futuro. Por último, Edward
Norton faz o possível com seu delicado personagem, que facilmente poderia cair
no escracho, e tamanho esforço foi justamente reconhecido pela academia.
Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) tem a aparência de um relógio caro, com
seus entalhamentos bem trabalhados e vistosos, porém ao se examinar o seu
interior e observar suas engrenagens, nota-se que não possui a mesma qualidade
de seu invólucro. A película poderia ser resumida por rótulos: parte técnica de
qualidade, ainda que repetitiva, roteiro pretensioso e atuações apenas boas. Se
alguém, como eu, esperava desse filme o inusitado, como, no ano passado,
tivemos em O Lobo de WallStreet (Martin Scorcese) e Ela (Spike Jonze) desista,
Birdman é um embuste como um filme diferenciado. Agora resta saber como a
crítica especializada se encantou com um filme que tenta transgredir os
parâmetros do comum, porém acaba ficando em sua redoma. Talvez a melhor explicação
esteja no título: A Inesperada Virtude da Ignorância.
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