MATHEUS R.B. HENTSCHKE
Filmes biográficos são exaustivos e desinteressantes. Tal
marca vem se firmando nos últimos anos e alguns exemplos podem ilustrar perfeitamente
essa suma: O Discurso do Rei (Tom Hooper, 2010), Dama de Ferro (Phyllida Loyd,
2011) e Lincoln (Steven Spielberg, 2012). No entanto, a Teoria de Tudo, filme
biográfico acerca da vida de Stephen Hawking e sua mulher Jane Hawking, vem em
sentido diametralmente contrário a tal cenário, conseguindo ser uma película envolvente
e intensa na medida certa.
O enredo acompanha a trajetória de Stephen Hawking (Eddie Redmayne) desde sua juventude, como um brilhante aluno de Cambridge já apresentando os primeiros indícios de uma doença que viria cercear toda a sua vida, até seus momentos como um adulto, tendo de enfrentar, ao lado de sua mulher Jane Hawking (Felicity Jones), as limitações impostas por sua grave enfermidade, que o impedia de realizar as mais simples ações, como comer, andar e, até mesmo, falar. Se em O Discurso do Rei é apresentado Colin Firth como um rei gago e irritadiço, que se constituiu em uma boa atuação, ainda que nada além disso, em A Teoria de Tudo, tem-se outra interpretação que obriga seu intérprete a usar e a abusar de cacoetes e de outros aspectos físicos; contudo, Eddie Redmayne consegue protagonizar um papel de sobremaneira mais dificultoso, imprimindo um carisma e uma presença de cena que nem de perto Colin Firth as teve.
O Stephen Hawking de Redmayne se faz sentir em cada
trejeito, em cada olhar e em cada fala, conquistando uma força dramática e um
superávit de atuação tão elevados que chega a ser caso de vergonha alheia se,
por ventura, a academia não laurear um trabalho tão primoroso e impecável quanto
o realizado por Redmayne. Tão intenso foi em seu papel, que alguns trejeitos e
cacoetes ainda acompanham o ator. Sua companheira de cena, Felicity Jones,
produz uma atuação correta, que até alcança alguns momentos de maior carga
dramática de maneira eficiente, porém não consegue concretizar uma atuação nem
de perto à altura de Redmayne. Sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz, ainda
que não seja um total absurdo, pode ser compreendida como uma indicação a James
Marsh, diretor da película, que sabe valorizar seus atores em cena seja com
ângulos de câmera inteligentes, seja com uma fotografia sóbria.
Talvez o Oscar nunca consiga se livrar da fama de ser
injusto em suas indicações e premiações, título que faz por merecer, e, mais
uma vez, faz jus a tal nomeação ao não indicar como Melhor Diretor James Marsh
e ter considerado em sua lista de indicados nomes incompreensíveis, como o de
Morten Tyldum (O Jogo da Imitação) com sua direção artificial e que cai no
trivial e Bennet Miller (Foxcatcher- Uma História que Chocou o Mundo) com um
filme frio e esquecível. James Marsh, diretor de A Teoria de Tudo, opta por não
ser mais um cineasta no hall dos que nada acrescentam em suas cinebiografias, e
trabalha habilmente com planos fechados em seus personagens e é auxiliado por
uma fotografia que valoriza os tons claros, conferindo maior vivacidade às
cenas e conseguindo suavizar um filme que trata de um tema tão denso sem nunca
deixar de passar a emoção ao seu espectador, que permanecerá a película inteira
absorto na singular trajetória de vida da família Hawking. Além desse efeito, Marsh consegue valorizar seus personagens, até mesmo aqueles que não têm o mesmo calibre de Redmayne em suas interpretações, conquistando um alto nível de envolvimento para um filme biográfico. Ainda no quesito direção, é conquistada uma façanha que poucos conseguem: a de saber utilizar a ausência de uma trilha sonora em alguns momentos, a fim de amplificar a veracidade e a intensidade dos momentos mais delicados. Contudo, a maior marca que o diretor consegue imprimir é a de tornar A Teoria de Tudo um filme emocionante, sem nunca pesar a mão nas dificuldades de Stephen e sua família, ainda que não deixe de esmiuçá-las e de faze-las sentir na medida correta. Por falar em ausência de trilha sonora, está, quando é utilizada, é de bom tom e provavelmente Johann Johannsson irá faturar o prêmio no Oscar 2015.
Quanto ao roteiro, é notória a maior valorização da vida pessoal de Stephen em detrimento de suas descobertas científicas, o que de modo algum se configura como um defeito. O que, de fato, é um defeito constante em obras biográficas é a necessidade de explicar os eventos, sublinhando a todos os momentos, como se o espectador não tivesse inteligência suficiente de preencher as lacunas, fato que não ocorre em A Teoria de Tudo, que consegue mostrar a vida de Hawking e a de sua esposa tentando fugir de tais comodismos. Evidentemente, o roteiro não é blindado de erros e peca ao acelerar o relacionamento de alguns personagens seja de Jane com Stephen, seja de Stephen com Elaine (Maxine Peake), não se fazendo compreender tamanho envolvimento inicial entre eles, em virtude dessa velocidade que o roteiro imprime sobre a construção de tais relações.
A película pode não ser o melhor filme do ano ou sequer
inovador é, contudo consegue fugir dos defeitos recentes das obras
cinematográficas que retratam biografias e se constitui em uma obra suave,
envolvente e de alguns pontos altos. Provavelmente, o filme não receberá boa
aceitação por parte da crítica especializada, todavia essa visão não representa
a qualidade de A Teoria de Tudo, mas sim de uma visão já cansada de assistir a
tantas cinebiografias exaustivas e enfadonhas, cujo hall A Teoria de Tudo
certamente não pertence.
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