Pular para o conteúdo principal

Top 15 - Planos-Sequência

GUILHERME W. MACHADO

Plano-sequência, como muitos termos traduzidos de outras linguas (no inglês seu equivalente seria long take ou extended take), varia seu significado. Como critério de corte dessa lista, considero, portanto, suas carecterística mais primordiais: um plano único (sem cortes), de duração acima do normal e envolvendo em algum momento movimentação de câmera. Aviso desde já que, por motivos práticos, não considerei os filmes plano-sequência, falsos ou verdadeiros, como Festim Diabólico [1948], Arca Russa [2002], Birdman [2014], e afins. Simplesmente não consigo vê-los no mesmo critério de comparação dos outros planos que duram entre 2 e 10 minutos. Enfim, não vou me alongar na introdução, pois, diferentemente do normal, escrevi uma pequena explicação para cada uma de minhas escolhas.


15. O Segredo dos Seus Olhos [Juan José Campanella, 2009]

Um dos planos-sequência mais populares do cinema nos tempos atuais, admito que tive receios em colocá-lo na lista, até porque é o único plano destes - que eu tenha conhecimento, pelo menos - que não é composto por um único take. Sim, o célebre plano do estádio de futebol é um falso plano-sequência, com seus cortes muito bem disfarçados pelo ótimo trabalho de CGI (efeitos especiais). De qualquer forma, é um plano extremamente ambicioso por parte do diretor argentino, que o arquitetou de forma incrivelmente real, de tal forma que para quem o assiste, não há como perceber que o plano é composto por mais de um take. Falso ou não, é um dos planos-sequência mais complexos e desafiadores que já vi, e merece aplausos pela sua execução.


14. O Prazer [Max Ophuls, 1952]

É um pecado que Max Ophuls, diretor genial e um dos grandes (se não "o" grande) precursores do uso extensivo de planos-sequência numa construção narrativa, figure com apenas esse plano e nessa posição da lista. Ophuls era um verdadeiro mestre da técnica, utilizando-a em vários de seus filmes repetidas vezes. Sua maestria nos movimentos de câmera, numa época onde os recursos para tal eram inacreditavelmente limitados quando se compara com nossa realidade atual, é lendária e serviu de inspiração para nomes como Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson, apenas. A verdade é que teriam outros em sua filmografia mais merecedores, mas não consegui encontrar vídeos com seus trechos. De qualquer forma, não podia deixar de homenageá-lo com um lugar na lista. Mas não pense pouco do plano escolhido, ele é uma verdadeira aula de como utilizar um recurso como o plano-sequência em prol da narrativa, não apenas como recurso de exibição. 


13. A Fogueira das Vaidades [Brian De Palma, 1990]

Brian De Palma também é um desses diretores que dominam a técnica do plano-sequência. Tendo utilizado-o compulsivamente em seus filmes desde os anos 80, ele faz do mesmo quase uma filosofia de vida. O plano-sequência exije muita habilidade e, mais ainda, muita visão do cineasta, coisas que não faltam em De Palma. Nesse filme, que considero um de seus piores, ele já abre com um plano de alta complexidade, que acarretou em muitas dificuldades técnicas para a equipe, principalmente no momento em que a câmera sobre no carro sem que o diretor possa acompanhá-la. O resultado, todavia, é sensacional, e o plano já marca, de imediato, o tom que será assumido pelo filme, assim como já revela muito sobre o personagem de Bruce Willis e sobre o segmento social sobre o qual a trama irá tratar. Um trabalho genial, pena que isso apenas se aplique aos 4 primeiros minutos de A Fogueira das Vaidades.


12. Week-End à Francesa [Jean-Luc Godard, 1967]

Um dos planos de movimento mais simples (para não dizer mais monótonos) da lista. De fato, o plano de Godard não figura aqui pelo seu movimento de câmera, mas pela forma como o diretor, e estudioso do cinema, utilizou a técnica na construção de um plano altamente político e discursivo. Não são necessários diálogos, narrações ou textos, esse longo plano-sequência fala por si só, e tem muito a dizer. É uma pena que não tenha o trecho inteiro disponível na internet (coloquei aqui apenas um pedaço).



11. Frenezi [Alfred Hitchcock, 1972]
(a partir de 1:42)

Provavelmente o plano mais curto e  um dos menos complicados, tecnicamente falando, dentre todos listados, mas certamente um dos mais elegantes. Ele figura aqui, entretanto, pelo seu incrível impacto dramático. Hitchcock sempre foi um mestre em utilizar sua câmera quase como personagem na história, nos colocando como observadores indiscretos dos acontecimentos. O movimento desse plano traduz perfeitamente, num recurso completamente visual, toda carga dramática da cena que seguiria dentro do apartamento, e o que ocorreria na mesma, sem que seja necessário mostrá-la.




10. Filhos da Esperança [Alfonso Cuarón, 2006]

Alfonso Cuarón vem se revelando outro verdadeiro maníaco pelo sofrimento que é fazer um plano-sequência. Seu filme Filhos da Esperança foi internacionalmente ovacionado por dois inacredtiavelmente complexos e desafiadores planos que frequentemente são considerados como entre os melhores da história. Foi difícil escolher, mas acabei optando por esse do carro - ainda que seja menor que o da batalha que ocorre posteriormente no filme - por achar que traduz mais o espírito, no caso a claustrofobia e a agonia, da cena, além de ser de um desafio técnico assombroso.


09. Boogie Nights [Paul Thomas Anderson, 1997]

Geralmente, quando se fala de planos-sequência, é o plano inicial de Boogie Nights que figura na lista, um take bastante longo e de movimento complexo no qual são revelados todos personagens principais da trama. Escolhi esse da virada de ano novo, todavia, pelo grande impacto que produz no espectador (afinal o plano-sequência constuma ter o propósito implícito de impressionar, de uma forma ou de outra). A contrução da cena, que compreende todo plano, é incrível, num ritmo de intensidade crescente que explode no final. Além disso, esse longo movimento de câmera tem uma fluidez sensacional.




08. Gravidade [Alfonso Cuarón, 2013]

Infelizmente não tive como consegui-lo inteiro para disponibilizar aqui. O primeiro take de Gravidade (como pode-se observar na lista, muitos diretores optam por fazer o plano-sequência já no primeiro take) dura absurdos 17 minutos, sendo o maior plano dessa lista e provavelmente o mais complexo. Alfonso Cuarón não apenas fez aqui algo deslumbrante visualmente como conseguiu, através desse longo plano, nos passar - melhor do que qualquer outro filme do gênero - a sensação de estar no espaço, com a câmera flutuando e se movimentando livremente, de forma parecida com os personagens. Isso para não comentar a experiência que é assistí-lo (tanto esse plano em específico quanto o filme); intensa e envolvente como poucos filmes no cinema atual.



07. O Jogador [Robert Altman, 1992]

Altman, na época já um renomadíssimo veterano do cinema americano, diz muito do que tem a dizer sobre Hollywood já nesse primeiro plano de O Jogador. A câmera passeia pelo estúdio com uma naturalidade tal que é possível, em meio à distração de um espectador hipotético, não perceber que o primeiro corte do filme ocorre apenas perto dos 8 minutos de projeção. O plano já seria genial pelo seu movimento e duração acentuada (um dos maiores da história na época em que foi feito), mas Altman ainda o embute com diversas referências a outros grandes filmes, inclusive, e principalmente, ao lendário plano-sequência que abre A Marca da Maldade [1958] de Orson Welles. Toda cena não está no roteiro (escrito por Michael Tolkin) e foi criada pelo diretor Robert Altman.


06. Tenebre [Dario Argento, 1982]
(De 0:10 à 2:48)

Um dos planos menos lembrados nesse tipo de lista - ou talvez propositalmente ignorado, quem sabe?. Esse plano de Dario Argento, outro diretor mestre na técnica do plano-sequência, não apenas impressiona pela complexidade  de seu movimento, mas também pela atmosfera genuína de terror que confere à cena. Dentro do contexto do filme, fica claro para nós que o assassino está por perto; o plano de Argento, no qual a câmera dá toda volta pela casa, observando seus cômodos, transmite magistralmente a sensação de onipotência - no mínimo oniconsciência - do assassino sobre suas vítimas nesse momento, enquanto ele circunda a casa esperando o momento de agir. Evidentemente que esse não é um plano subjetivo (no qual a câmera seria o exato ponto de vista do assassino), até porque o personagem não voa, mas sim um recurso atmosférico que o mestre italiano escolheu para traduzir a sensação de espreita da presa.


05. Kill Bill [Quentin Tarantino, 2003/2004]

A irreverência do cinema de Tarantino, mais forte do que nunca em Kill Bill, é extremamente cativante e pode ser facilmente reconhecida nesse não-ortodoxo (pra dizer o mínimo) plano-sequência. O malabarismo incomum da câmera não tira, em momento algum, a fluidez do plano, pelo contrário, a aumenta. Esse belíssimo plano captura perfeitamente o clima do ambiente (enquadrando, inclusive, mais de uma vez a banda que toca no local) e prepara o palco para o que virá a seguir, enquanto passeia pelo cenário trocando o foco entre os personagens protagonistas dessa cena.



04. As Harmonias de Weckmeister [Béla Tarr, 2000]

As Harmonias de Werckmeister, assim como muitos outros filmes de Béla Tarr, é formado por diversos planos sequência, tendo apenas cerca de 40 cortes (os filmes normais costumam ter milhares, literalmente). Dentre muitos desses ótimos planos, todos refletindo a excelente técnica do diretor húngaro, escolho esse do hospital - depois de muita dúvida entre esse o da baleia, igualmente genial. Toda encenação, movimentação de câmera, iluminação, é genial, sem dúvidas, mas o que eleva o plano a outro patamar, mesmo em relação aos próprios planos-sequência, é o contraste que Tarr faz entre a intensa brutalidade exercida pelos homens durante a cena com a vulnerabilidade e a inocência do idoso no banheiro. O choque do encontro de realidades tem uma força colossal, reforçado pela bela fotografia (que ilumina todo banheiro num branco desproporcionalmente caro), enquanto os ambientes anteriores estão envoltos em sombras e tons mais escuros.


03. Os Bons Companheiros [Martin Scorsese, 1990]

Amplamente celebrado, não há nada de novo para se dizer sobre esse plano-sequência de Scorsese. Num único plano de pouco mais de dois minutos, além de executar um movimento de câmera sensacional com a steadicam, o diretor traduz todo estilo de vida dos gangsters sobre os quais o filme trata. Se alguém nunca assistiu, ou por algum motivo esdrúxulo nunca assistirá, esta obra-prima que é Os Bons Companheiros, mas quer saber como eram e como viviam os gangsters retratados por Scorsese, basta assistir esse único plano, está tudo ali.


02. Profissão: Repórter [Michelangelo Antonioni, 1975]

Poucos planos na história da arte causaram tanta dúvida nos espectadores e especialistas, sobre como é possível que ele tenha sido feito, quanto esse do mestre Antonioni. Mitos já foram criados sobre esse penúltimo plano de Profissão: Repórter. Agora, deixando de lado o fator "como ele fez?", esse plano também deve ser aplaudido pela forma como ele dá encerramento ao arco dramático da história. Não há explicações fáceis, mas todo fechamento da trama está aqui, e nós somos um observador distante, curioso, impedido por uma grade de janela que mais parece uma jaula, até que a câmera nos liberta.


01. A Marca da Maldade [Orson Welles, 1958]

Clichê, eu sei, mas inevitável. Orson Welles mostrou novamente nesse plano inicial de A Marca da Maldade porque está no panteão dos cineastas. Vale lembrar que não existia steadicam (equipamento que estabiliza a câmera), o que torna esse plano um dos melhores - provavelmente o melhor - trabalho de grua de todos os tempos, tanto pelos movimentos quanto pela considerável distância percorrida. O plano foi filmado numa única noite e em locação, não em estúdio (o que tornaria o trabalho mais fácil, porém menos real). Como muitos outros planos dessa lista, ele não figura aqui exclusivamente por sua técnica ou dificuldade, mas também pela forma como a cena é construída no plano. O plano começa com um close na bomba e acaba na explosão, introduzindo no caminho o casal protagonista e o contexto, através do ambiente de fronteira entre México e Estados Unidos, que nos permite entender a trama do filme. Trabalho de gênio, em todos aspectos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Retrospectiva: 1977

GUILHERME W. MACHADO Percebi que 2017 já está quase acabando e tem vários grandes anos "aniversariantes" para os quais ainda não prestei homenagem. Entre eles, 1977. 77 foi ao mesmo tempo um ano de consolidação da maturidade de antigas lendas quanto do surgimento ainda cru de outras novas, o que se reflete de forma tão óbvia nessa seleção com jovens em ascensão como Lynch, Scorsese e Woody Allen intercalados com figurões consolidados como Buñuel, Resnais e Cassavetes. No meio destes há ainda grandes como Herzog (que certamente está na briga quando se fala no melhor cineasta daquela década) e Argento, ambos também em processo de amadurecimento.

Três Homens em Conflito (Sergio Leone, 1966)

GUILHERME W. MACHADO De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).