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Top 10 - Grandes Finais do Cinema



GUILHERME W. MACHADO

Impressiona o quanto o final de um filme influencia nossa opinião sobre o mesmo. Às vezes diminui consideravelmente nosso apreço pela obra, às vezes o aumenta exponencialmente. Em certos gêneros então, como nos suspenses (principalmente nos famosos whodunits), ele chega a ser vital, um ponto definitivo de qualidade. Em outros, por menos impactante que venha a ser, podendo ser um encerramento sutil - por vezes até circular -, basta que seja contundente com o conceito do filme e encerre de forma apropriada o arco dramático. De qualquer forma, ele faz toda diferença. Grandes filmes costumam ter grandes finais. E não digo necessariamente em termos de grandiosidade operística - como é o caso de finais clássicos como os de Crepúsculo dos Deuses [1950] ou Apocalypse Now [1979] -, mas sim a grandiosidade de sintetizar, de concluir com coerência (ou mesmo com ambiguidade quando é essa a intenção consciente do filme), o que foi apresentado durante a obra.

A arte de encerrar bem um filme é muito difícil e precisa. É uma das frequentes marcas do grandes cineastas e roteiristas. Não fiz essa lista pensando diretamente nas "melhores últimas cenas", ainda que algumas destas apareçam indiretamente aqui, mas sim nos melhores fechamentos de histórias, nas melhores conclusões dentro da minha percepção como cinéfilo, crítico, roteirista amador e aspirante a cineasta. Evidentemente que uma boa conclusão geralmente só ocorre através de uma ótima cena, mas não são as qualidades individuais desta que levei como principal critério de avaliação.

Por fim, vale ressaltar que todas essas cenas contêm spoilers, e que não terão valor ou sentido - dada toda explicação do critério de seleção da lista exposto nos parágrafos acima - caso o leitor não tenha assistido os filmes em questão.





10. Cidadão Kane [Orson Welles, 1941]

O que dizer? Cidadão Kane pode até já ser manjado, mas segue inevitável em certas listagens. Orson Welles poderia, discutivelmente, emplacar outros filmes neste lugar, como A Dama de Shanghai [1947], que como cena inclusive prefiro, mas como desfecho Kane é inegavelmente superior. A perfeição aqui reside na meticulosa construção do roteiro, que construiu toda trama (já extremamente sólida sem o final) de forma a completá-la, e mais, enriquecê-la, de sentido com uma sutileza detalhística incrível. Simplesmente genial.




09. Trilogia - Antes do Amanhecer [Richard Linklater, 1995/2004/2013]

A escolha do vídeo aqui foi meramente simbólica, uma vez que os três filmes dessa maravilhosa trilogia de Richard Linklater são exemplares em seus encerramentos. A fidelidade que esses finais (muito parecidos entre si) têm com o material, e a forma como o complementam é mágica, como são os próprios filmes. A sutileza, a completa ausência de pieguice, a qualidade dos diálogos, tudo foi talhado à perfeição. Richard Linklater é, verdadeiramente, um cineasta do tempo, um dos melhores que já tratou desse tema na sétima arte.




08. Ano Passado em Marienbad [Alain Resnais, 1961]

O mais poético dos finais. Uma verdadeira obra de arte que mistura tanto qualidades literárias quanto visuais. O encerramento de Marienbad é magistral e tão poderoso quanto o próprio filme. Gosto tanto desta cena final que apenas a omiti de minha lista de cenas favoritas por não tê-la conseguido em vídeo, infelizmente. Lento, hermético, pouco acessível, tudo o que dizem sobre Ano Passado em Marienbad tem seu fundo de verdade, mas o que os detratores não enxergam é o intrigante mistério, toda qualidade hipnotizante do material filmado num apuro visual magistral por Resnais.





07. 2001: Uma Odisseia no Espaço [Stanley Kubrick, 1968]

O porta-bandeira de todos finais ambíguos do cinema. 2001 segue um cativante mistério há quase 50 anos. Diferentemente de vários "cult-wannabe", como o inconsistente Donnie Darko [2001], Kubrick construiu sua obra com ampla e inabalável consciência de suas escolhas (como sempre o fez durante sua carreira), criando um filme altamente reflexivo e contemplativo que se beneficia muito da [intencional] pluralidade de interpretações possíveis sobre si. Não há qualquer sensacionalismo ou modismo aqui, e sim cinema em sua forma mais visceral e desgarrada de fórmulas e amarras.




06. Ladrões de Bicicleta [Vittorio De Sicca, 1948]

"O" filme do neo-realismo italiano. Ladrões de Bicicleta pinta um penoso retrato social através de algo tão simples, e ao mesmo tempo tão trágico dentro da frágil realidade de um indivíduo: o roubo de sua bicicleta. Tudo gira em torno desse ato, culminando num final profundamente sincero, díficil, mas que não deixa de apresentar um discreto, porém comovente, otimismo. A dramaticidade da cena é perfeita, sem caricaturas e com um grau de veracidade doloroso. Difícil é assistir inerte.




05. Um Corpo que Cai [Alfred Hitchcock, 1958]

Um dos finais mais duros e icônicos do cinema. Um Corpo que Cai é um filme sobre um relacionamento assombrado (em todas conotações que esse adjetivo pode tomar) e um dos grandes retratos cinematográficos sobre a obsessão. Seu encerramento não poderia ocorrer de nenhuma outra forma, por mais sofrida que essa seja. Hitchcock, que possui vários finais notáveis em sua carreira, como Interlúdio [1946], Os Pássaros [1963] ou Psicose [1960], arquiteta aqui o seu mais interessante desfecho, seja em termos cênicos ou dramáticos. Uma cena que combina romance, drama e suspense com excelência, mesmo sendo tão breve.




04. Crepúsculo dos Deuses [Billy Wilder, 1950]

Talvez o mais grandioso de todos os finais, e não sem motivos para tal. A experiência de assistir Crepúsculo dos Deuses pela primeira vez e deparar-se com esse encerramento é indescritível. A potência da cena, sua dramaticidade, a hipnotizante atuação de Gloria Swanson, a qualidade sempre elevada da direção de Wilder, a fala que se tornou imortal ("Mr. DeMille, i'm ready for my close-up")... Tudo nessa cena é impecável e veio a ser lendário com o tempo. Assim como noutras cenas presentes nessa lista, e inevitabilidade do desfecho é notável, mas é a forma como Wilder o arranja que faz com que ele chegue nas alturas, deixando o espectador sem palavras após o seu término.




03. Casablanca [Michael Curtiz, 1942]

Clássico dos clássicos, a cena final de Casablanca possui aquela que provavelmente é a fala mais lendária do cinema, tão icônica que sequer preciso citá-la. Michael Curtiz, e todos envolvidos nesse que era um despretencioso projeto na época (os atores e a equipe o tratavam como um trabalho secundário em suas agendas), criou algo mágico e imortal. As muitas qualidades presentes aqui são de difícil descrição, pois é vital que sejam primeiro, e acima de tudo, sentidas.




02. Dr. Fantástico [Stanley Kubrick, 1964]

O final mais deliciosamente irônico e dotado de relevância do cinema. Kubrick não usa meias palavras em sua voraz crítica à guerra fria e à corrida armamentista. Dr. Fantástico é um filme que ruma a passos firmes e inabaláveis ao seu final o tempo inteiro, mas nós espectadores sempre acabamos achando formas de nos enganar, de duvidar da realidade inevitável. Essa metáfora, nem um pouco disfarçada, ao contrário, descarada, com o processo histórico ao qual a obra se refere é muito forte. Além de sua irrefutável contundência como conclusão, a cena em si é fenomenal na combinação de sua violência temática e visual com a contrastante trilha sonora, "We'll meet again".




01. Chinatown [Roman Polanski, 1974]

O ser humano sucumbindo ao meio, sendo moldado pelo mesmo. Chinatown é o filme definitivo sobre a influência externa do meio sobre o indivíduo. Seus personagens lutam desesperadamente para escapar de seus destinos, debatem-se de todas formas possíveis, para somente no final perceber, através do golpe definitivo, o quão inútil eram suas tentativas. Polanski é possivelmente meu fechador de filmes favorito, seus finais são únicos e amarram suas tramas de forma singela, porém impecável. A frieza e a brutalidade do final de Chinatown o tornam doloroso, mas ele certamente não será esquecido.


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Como considerei vários candidatos para essa lista e minha consciência pesou pela ausência de alguns, aqui vão umas menções honrosas (em ordem aleatória) de finais nada menos do que excepcionais: Caché [2005]; Cópia Fiel [2010]; Rede de Intrigas [1976]; Paris, Texas [1984]; Crimes e Pecados [1989]; Dogville [2003]; Apocalypse Now [1979]; A Mulher da Areia [1964].


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E você, quais são seus finais de filmes preferidos?

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