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Melhores Filmes da Década de 40


GUILHERME W. MACHADO

Então, dando seguimento às listas de décadas aqui no blog (começadas aqui), vou para uma saudosista. Valem as mesmas regras, lembrando que, como disse no outro post: essa lista não será fixa, estará sempre sujeita à alterações, até porque nunca vou ter "acabado" de ver grandes filmes feitos nos anos 40, e mesmo revisões daqueles que já conheço podem mudar todo panorama. Nada mais apropriado que uma lista "inacabada", sempre em construção, como é a própria cinefilia.

Sem grandes introduções então, pois pretendo comentar um pouco sobre cada um dos 10 primeiros (mas por favor não ignorem os outros 20, todos filmes aqui considero como excelentes), aqui vai a lista.



10. O Terceiro Homem (Carol Reed, 1949)

Clássico, batido, mas inegável. O Terceiro Homem é um filme noir investigativo irresistível, com uma grande trama de Graham Greene (autor do roteiro original), uma direção inspirada de Carol Reed, grande participação de Orson Welles, e uma das melhores fotografias de todos os tempos, possivelmente a melhor em preto e branco, de Robert Krasker. Filmado nos escombros pós-segunda guerra de Viena, O Terceiro Homem mostra justamente uma europa abalada por duas grandes guerras, um cenário delicado que extraí o pior dos indivíduos, propício para o surgimentos de figuras inumanas como o Harry Lime de Welles, o escritor fracassado de Joseph Cotten, ou imigrantes desamparadas como a Anna Schmidt de Alida Valli. 



9. Dias de Ira (Carl Theodor Dreyer, 1943)

Seguindo na linha do seu grande clássico O Martírio de Joana D'Arc (1928), Dreyer – um diretor lendário, de rigor visual impecável que foi predecessor em estilo de grandes cineastas futuros como Ingmar Bergman ou Béla Tarr – constrói uma poderosa e impactante crítica sobre o momento mais sombrio da igreja católica, quando essa ainda reinava na europa através do horror e das caças às bruxas. Como no seu filme de 1928, Dias de Ira compreende também a dor e as injustiças pelas quais passavam as mulheres nessa época menos esclarecida da humanidade. Um filme forte, austero, cruel e imperdível.




8. Casablanca (Michael Curtiz, 1942) /
Uma Aventura na Martinica (Howard Hawks, 1944)

Então... Peço perdão pela trapaça, reconheço que não é correto de maneira alguma unir esses dois filmes, mas vou abusar da arbitrariedade de ser o dono da lista nesse caso, com a única desculpa de que ambos teriam entrado no top 10 de qualquer maneira, e que para isso eu teria que tirar outra obra daqui (o que é sempre indesejável, ainda mais quando pode ser evitado). Em linhas breves então, Casablanca é um romance de força inigualável, uma obra-prima melancólica com atuações lendárias de Bogart – considero essa uma das maiores performances masculinas do cinema – e Bergman, sempre espetacular e mais linda do que nunca. Uma Aventura na Martinica, embora muito parecido em enredo, é consideravelmente diferente em tom: uma obra-prima aventuresca e descontraída, com toques cômicos inclusive, através de diálogos afiadíssimos, recheados de malícia e duplo sentido, e um dos melhores filmes de um dos maiores diretores da Hollywood clássica e do cinema em geral. 


7. Desencanto (David Lean, 1945)

Um dos maiores destruidores de coração do cinema, Desencanto é um romance singelo, verdadeiro e intenso. Filmado com maestria por um dos grandes diretores mais subestimados dessa época, e contando ainda com uma fotografia absurda (e uma igualmente absurda atuação da protagonista Celia Johnson), Desencanto incorpora revisões aguçadas de clássicos da literatura romântica de uma forma que apenas o cinema poderia proporcionar. É um filme que celebra a magia dos pequenos momentos e das sensações mais sinceras.



6. Meshes of the Afternoon (Maya Deren, 1943)

Pois é, um curta-metragem de 13 minutos não apenas é um dos meus favoritos da década de 40 como um dos filmes mais impactantes que já vi. Meshes of the Afternoon é uma obra vanguardista, um curta mudo e surrealista dotado de imagens poderosíssimas e de uma alegoria fantástica sobre o aprisionamento feminino, com a mulher confinada às obrigações da casa. Ou pelo menos eu acho né, com esse aqui não dá pra ter certeza de sobre o que se trata, cada um vai ser impactado de uma maneira diferente. Minha única certeza é a de que é um dos filmes mais enigmáticos e estimulantes de todos os tempos, e isso basta.



5. Ser ou Não Ser (Ernst Lubitsch, 1942)

Um dos filmes mais engraçados da história e o meu favorito com o famoso "toque Lubitsch". Ser ou Não Ser em última instância é um grande tributo à arte da interpretação e do storytelling, talvez à arte como um todo. Um filme sobre um grupo de artistas de teatro que acabam envolvidos numa perigosa trama nazista durante a segunda guerra mundial e que usam seus talentos criativos para resolver a situação. Um filme que guarda um improvável e distante parentesco com Bastardos Inglórios (2009): duas obras que acreditam no poder transformador da arte, e em como essa pode mudar o mundo e a história.



4. Paixão dos Fortes (John Ford, 1946)

Não sou o mais fordiano dos cinéfilos, mas confesso que são filmes como esse My Darling Clementine que me fazem amar o cinema. De uma proeza narrativa incrível, provando que não são necessários malabarismos e que as vezes a simplicidade pode ser a maior aliada para se transmitir emoções poderosas na tela, esse western de John Ford é um filme recheado de catarse e intensidade, além de ser provido de uma beleza cênica magistral até para os padrões elevados do lendário diretor. Mais uma vez é a complexidade dos personagens um dos pontos que mais me atrai – coisa que cada vez mais considero relevante num grande western – e aqui temos uma vasta seleção de personagens marcantes que circulam aquela pequena cidade à beira da ebulição; clima de tensão constante esse e que confere a tudo uma urgência narrativa e uma intensidade emocional impagáveis.



3. Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)

Nunca houve no cinema um filme tão unânime quanto Cidadão Kane. Muito conhecido pelas suas notáveis proezas técnicas, essa obra-prima Wellesiana é para mim um dos maiores filmes sobre o poder e a busca por identidade (um tema recorrente na carreira do diretor), simbolizada pela que talvez seja a palavra mais clássica do cinema: Rosebud. Cidadão Kane é um dos mais complexos, virtuosos e envolventes estudos de personagem do cinema, sendo capaz ainda de traçar uma dezena de críticas e análises sociais envolvendo mídia e política americana. Um filme que tranquilamente merece sua descomunal fama e – mais impressionante – consegue carregá-la em seus ombros sem que esse grande peso lhe cause lesões.



2. Fuga do Passado (Jacques Tourneur, 1947)

Tão noir quanto é possível ser noir, Fuga do Passado abraça irrestritamente tudo que esse subgênero tão marcado dos anos 40 tem a oferecer. Tourneur deve ter sido um dos diretores com maior competência narrativa da história do cinema, e aqui ele compõe uma monumental obra melancólica sobre o anti-herói reformado que ainda é perseguido pelo seu passado escuso. Um filme cheio de nuances, diálogos afiados, e de personagens ricos em conflitos e complexidades, de tal forma que sempre é um grande prazer revisitá-lo para observar o quanto de verdade e mentira há no relacionamento entre Kathie e Jack (Mitchum e Greer), uma dúvida nunca inteiramente saciada.



1. Festim Diabólico (Alfred Hitchcock, 1948)

A obra-prima do sadismo. Festim Diabólico é o mais cruel  crueldade essa intensificada pelo humor sarcástico dos cativantes protagonistas, dos quais somos cúmplices irremediáveis  dentre os filmes feitos pelo Mestre do Suspense, e uma de suas maiores jóias. Um estudo intenso sobre a filosofia do assassinato, um retrato hollywoodiano ousado sobre homossexualismo, e um exercício técnico que representava um desafio colossal. Para além do exibicionismo que foi o "truque" de filmar tudo (quanto fosse possível na época) em planos-sequência, esse pioneirismo técnico de Hitchcock fez de Festim Diabólico um dos filmes com maior noção de tempo e espaço na história do cinema; uma obra espetacular que evolui em ritmo real, na mesma proporção em que a luz do dia vai esvaindo-se, cedendo lugar aos letreiros de neon ao fundo na janela panorâmica do apartamento.


20+
(ordem alfabética)

almas perversas (fritz lang, 1945)
carta de uma desconhecida (max ophuls, 1948)
curva do destino (egdar g. ulmer, 1945)
dama de shanghai, a (orson welles, 1947)
fantasma apaixonado, o (joseph l. manckiewicz, 1947)
interlúdio (alfred hitchcock, 1946)
jejum de amor (howard hawks, 1940)
ladrões de bicicleta (vittorio de sica, 1948)
le tempestaire (jean epstein, 1947)
monsieur verdoux (charles chaplin, 1947)
morta-viva, a (jacques tourneur, 1943)
mulher desejada, a (jean renoir, 1947)
narciso negro (michael powell, emeric pressburger, 1947)
pacto de sangue (billy wilder, 1944)
pai e filha (yasujiro ozu, 1949)
paixão selvagem (jacques tourneur, 1946)
prisão (ingmar bergman, 1949)
sétima vítima, a (mark robson, 1943)
sob o signo de capricórnio (alfred hitchcock, 1949)
tarde demais (william wyler, 1949)



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Por mais que as escolhas sejam de caráter privado, fiquem a vontade para questioná-las (respeitosamente) nos comentários e, principalmente, fazer sugestões. Boas recomendações de filmes são sempre bem-vindas.

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