GUILHERME W. MACHADO
Agora sim, minha lista dos melhores filmes lançados ineditamente nos cinemas brasileiros em 2017. Lembrando que, como sempre, por mais que seja tentador, não vale aqui a inclusão de obras lançadas diretamente para home video ou serviços de streaming (portanto, sem
Twin Peaks), apenas filmes que passaram nos cinemas, em circuito comercial (portanto sem filmes que passaram apenas em festivais), e pela PRIMEIRA VEZ em 2017 (portanto sem clássicos como
Hiroshima Meu Amor).
Considerando o quão pouco de tempo tive em 2017 – e portanto a quantidade razoável de filmes que deixei escapar – esse foi um ano bom no circuito nacional. Digo isso por, mesmo tendo alguns problemas com os últimos filmes selecionados aqui, considerar essa uma seleção de bom nível em comparação aos anos mais recentes.
20. O OUTRO LADO DA ESPERANÇA, de Aki Kaurismäki
Alguns problemas na estrutura, principalmente nas narrativas paralelas do início que muitas vezes não funcionam e se alongam sem necessidade, além de abordar um tema mais do que manjado pro cinema europeu atual. Por outro lado, quando engrena Kaurismäki imprime um humor peculiar, que combinado com a sua fria e precisa mise-en-scène resultam num tom deliciosamente off e estranhamente cativante.
19. O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS, de Sofia Coppola
O mais irregular dos filmes dessa lista,
O Estranho que nós Amamos equilibra graves problemas de enredo, construção de personagens e dramaturgia com um aguçado trabalho estético de Coppola e Le Sourd (diretor de fotografia), seja na delicada iluminação interna à luz de velas ou nos jardins exteriores iluminados pelas frestas de luz solar que cortam pelas árvores sulistas. Os conceitos que Coppola trabalha até são interessantes (os problemas citados referem-se a execução dramática deles, mas não aos conceitos em si), mas parece que boa parte do discurso do filme vem da discussão que ocorre fora dele do que dentro.
Um sopro de originalidade no desgastado mainstream de terror. Formalmente é um filme bem quadradinho, não há nada particularmente impressionante na direção ou técnica, mas às vezes fazer o básico com eficiência é o suficiente, e isso Peele fez com uma competência elogiável. Ademais o roteiro é interessante na forma como mistura os cacoetes do gênero com seu discurso – que, mesmo que nada sutil, é articulado com inteligência – e elementos bem-vindos de humor, fazendo de
Corra! uma experiência cinematográfica bastante agradável.
17. O FILHO DE JOSEPH, de Eugène Green
Trabalho menos conciso de Green, mas ainda interessante pelo formalismo rígido do diretor. As imagens são ótimas, e a forma fabulesca com a qual o enredo se articula também, mas o tom se perde em alguns momentos e o filme patina. No fim, a narrativa de tons bíblicos sobre relações familiares, aliada aos esforços irredutíveis na forma em que Green filma (em especial seus closes), é forte o bastante para torná-lo um filme envolvente.
16. BOM COMPORTAMENTO, de Ben Safdie e Joshua Safdie
Filme visualmente pulsante, com trilha sonora excelente, e que demonstra um grande domínio de ritmo por parte da dupla de diretores; um dom precioso. Bom Comportamento é um filme tão bem realizado que acaba por esconder, debaixo de todas luzes, texturas visuais e ritmo vibrante, seus interessantes comentários sociais.
15. ALIADOS, de Robert Zemmeckis
Delicioso resgate de uma Hollywood há décadas perdida. É um filme com falhas, particularmente na sua segunda metade, mas o revisionismo cinematográfico que Zemmeckis faz de Hitchcock, Tourneur, Hawks, Curtiz, Sternberg, dentre outros é primoroso; uma aula de mise-en-scène clássica, sensualidade e manipulação, especialmente no segmento de Marrocos. Acredito piamente que com o passar do tempo e com as revisões as falhas que me incomodaram na primeira sessão se tornarão cada vez menos importante e meu gosto pelo filme aumentará. A verdade é que o gênero de espionagem (típico das décadas de 30 e 40) esteve esquecido por tempo demais. Parabéns Zemmeckis, e obrigado.
14. PERDIDOS EM PARIS, de Fiona Gordon e Dominique Abel
Contagiante e excêntrica parábola do casal de cineastas candenses Fiona Gordon e Dominique Abel. Filme leve, despojado, que faz uma das melhores atualizações da screwball comedy em anos recentes, entre seus ótimos set pieces (muito bem encenados) de humor e o absurdismo geral de seu enredo.
13. JOHN WICK 2, de Chad Stahelski
Energia pura, um espetáculo de coreografia e luzes vibrantes.
John Wick é um filme construído de set piece para set piece, não há propósito que não o de simplesmente acompanhar as alucinantes sequencias de ação. Mais do que isso, ele pega emprestado (com menos eficiência) um pouco da magia de
Kill Bill ao construir para si um regrado universo de assassinos; um mundo que gira em torno de si mesmo e não tem qualquer conexão com o nosso. Não há interferência de polícia, governo, nem qualquer das nossas instituições, não há baixas não-intencionais de civis, tudo que acontece se passa apenas naquele universo fechado.
12. TONI ERDMANN, de Maren Ade
O tom demasiadamente estranho fez com que eu demorasse para entrar no filme (que tende a crescer na revisão), mas quando engrenou foi uma maravilhosa sequência de grandes momentos repletos, simultaneamente, de sensibilidade dramática e originalidade cômica. Grande atuação (pouco mencionada) de Sandra Hüller e inspirada direção de Maren Ade. Provavelmente o filme cuja posição nessa lista tenho mais chance de me arrepender no futuro.
11. PATERSON, de Jim Jarmusch
Quase um Ozu do século XXI, menos em termos de genialidade do que de abordagem.
Paterson é um filme que trata da beleza das coisas mínimas e do cotidiano, filmado com uma enganadora simplicidade (nesse caso, uma virtude) por parte de Jarmusch. Entre
Silêncio e
Paterson – e até mesmo no decepcionante
Star Wars –, Adam Driver seguramente é o destaque do ano.
10. A MORTE DE LOUIS XIV, de Albert Serra
Poucos cineastas teriam a paciência de filmar a morte como Serra teve aqui (e certamente não são muitos que terão paciência para assisti-la). A insistente imobilidade da câmera, a iluminação quase Rembrandiana, a perfeição detalhística dos sets e figurinos, tudo faz parte de um primoroso trabalho estético por parte do diretor que apostou com sucesso em ter forma como conteúdo. Toda [falta de] ação se dá num ritmo que não apenas emula o do processo de apodrecimento em si como também serve como representação da própria imobilidade do período histórico em que o filme se passa. Sendo um filme sobre a morte de um dos maiores monarcas da história também é sobre a morte de todo um modelo de nação e costumes.
09. RODA GIGANTE, de Woody Allen
Tem seus problemas, mas é o Woody Allen mais audacioso em um bom tempo (talvez desde Um Misterioso Assassinato em Manhattan). Demorei um pouco pra entrar na proposta, mas acabei amando o comprometimento de Allen com o melodrama e teatralidade carregados, que não deixa de lembrar Resnais. Fora que visualmente é o capítulo mais radical e comprometido nessa nova fase de inspiração mais pictorica (Monet e toda uma turma de artistas do início do século XX) do diretor, que começou por volta de Meia Noite em Paris (2011) e se intensificou na sua recente parceria com Vittorio Storaro em Café Society (2016). Inacreditável quanto ainda persiste aquele ridículo mito (em grande parte alimentado por um boca-a-boca preguiçoso e, malandramente, pelo próprio diretor) de que Allen não se preocupa com a parte estética, ou que seus filmes são "peças filmadas".
08. RESIDENT EVIL: CAPÍTULO FINAL, de Paul W.S Anderson
O fim deliciosamente caótico de uma saga construída sobre uma série de camadas de artifício e encenação por parte de um dos diretores que (mesmo que debochado e mal visto por boa parte da crítica) mais pensa o cinema blockbuster na era CGI e gamer.
Resident Evil, em especial os três últimos (e melhores) filmes da saga, não é sobre substancia e conteúdo, mas sim um exercício estético e cinético da mais pura ação envolta num jogo de manipulação da realidade à lá De Palma (especialmente seu
Missão Impossível, de 1996). Além de ser o melhor exemplo de absorção artística do mundo dos videogames pelo cinema até então.
07. Z: CIDADE PERDIDA, de James Gray
Muitos filmes em um só. Pode ser um filme de costumes de época; uma narrativa da vida consumida por uma obsessão; uma obra Herzoguiana sobre a exploração e interação entre homem e natureza; um drama familiar; uma revisão histórica sobre a mulher numa sociedade limitada. E, através do seu forte senso estético e alta capacidade narrativa, Gray dá um jeito de fazer todos funcionarem.
Num ano em que muitos filmes contemplaram (tanto em escala épica quanto minimalista) jornadas internas de protagonistas perdidos/encurralados/sufocados, talvez tenha sido
Personal Shopper que apresentou o processo mais bem resolvido. Assayas recuou um pouco da grandiloquente proposta metalinguística que o acometeu em
Acima das Nuvens e focou num cuidadoso estudo de personagem e do próprio gênero de horror, resultando num filme muito mais sóbrio, coerente e bem acabado que o anterior.
Mais um contundente filmaço de Shyamalan sobre o trauma (tema central da sua carreira), dessa vez focando mais em como a sociedade reage às vítimas: de forma excludente e com desconfiança. Como todo grande realizador, Shyamalan encontra sempre maneiras de se reinventar, tendo nessa sua nova fase – que começou com o excelente
A Visita (2015) – despido-se do classicismo estético e narrativo que acompanhava sua carreira até então (e no qual tinha a competência de poucos) para abraçar de vez o digital e o estímulo criativo que o low budget instiga, resultando numa mise-en-scène muito mais moderna, sem abrir mão de suas melhores qualidades.
04. DE CANÇÃO EM CANÇÃO, de Terrence Malick
Malick permite-se, pela primeira vez desde
O Novo Mundo, o extravaso de emoções que ele geralmente restringe nos seus personagens e narrativas.
De Canção em Canção segue na linha quase Baumaniana do cineasta em explorar o que o filósofo polonês chamava de modernidade líquida: um mundo de relações amorosas fugazes, identidades sempre em mudança e fluidez (coisa que Malick incorpora na forma melhor que qualquer um no cinema americano).
De Canção em Canção é um filme sobre fluidez, sobre mudança constante, sobre sensações intensas e repentinas, um filme que reflete como poucos a sua própria contemporaneidade.
03. ALÉM DAS PALAVRAS, de Terence Davies
De todas cinebiografias que já vi – e com a alta popularidade desse gênero afirmo que não foram poucas –, dá para contar nos dedos quantas esforçaram-se tanto para, mais do que apresentar fatos, transmitir fundamentalmente a essência da pessoa representada. Com uma direção brilhante de Davies, que traduz em imagens e sons a poesia e visão de mundo de Dickinson com uma profundidade tocante,
Além das Palavras é tranquilamente um dos melhores do ano e, talvez, da década até agora.
02. NA PRAIA À NOITE SOZINHA, de Hong Sang-soo
O mais intimista dos filmes de Hong Sang-soo é também um dos seus melhores. A essa altura todos que são minimamente familiares com o cinema do sul-coreano sabem também de cor e salteado os temas e obsessões que ele imprime de forma tão reincidente em todos seus filmes.
Na Praia à Noite Sozinha é um dos mais refrescantes novos capítulos nessa filmografia sempre em evolução justamente pelo esforço de Sang-soo em retratar o outro lado de uma história vivida por ele mesmo e vivida em primeira mão pela própria atriz principal (uma vez que a mídia escancarou todos dramas do romance vivido entre ele e a atriz Kim Min-hee). É arte que imita (e transforma) a realidade na mais pura concepção da frase.
Obra prima barroca que trata de fé, imperialismo cultural, sacrifício, e resiliência. Impressiona o quanto, através do mais puro classicismo cinematográfico, Scorsese é capaz de equilibrar críticas ousadas à conduta e à igreja católica (o egoísmo do martírio, a pedância da colonização religiosa, o apego desproporcional aos símbolos) e ao mesmo tempo erigir uma das mais belas odes à fé e ao poder redentor e fortificador da mesma sobre o indivíduo. Um dos melhores filmes da carreira de um dos melhores cineastas de todos os tempos.
Mea culpa (filmes que tinha interesse em ver, mas não consegui):
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Apesar da Noite (Philippe Grandrieux)
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Beduíno (Júlio Bressane)
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John From (João Nicolau)
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A Mulher que se Foi (Lav Diaz)
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Na Vertical (Alain Guiraudie)
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