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Ida (Pawel Pawlikowski, 2013)

GUILHERME W. MACHADO

Nunca gostei muito de expressões como “filme de arte”, até porque nada dizem, realmente, sobre as obras as quais se referem. O que, afinal, faz de um filme um filme-arte? O polonês Ida, um dos grandes candidatos para vencer o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2015, vem sendo descrito como tal. Seria pela sua fotografia em preto e branco? Seu formato de tela 4:3 (tela quadrada), que era mais utilizado em filmes antigos? Sua narrativa introspectiva e “lenta” (como é geralmente chamada)? Ou seria pelo seu enredo que busca, pretensiosamente, discutir temas como a religião, relações familiares e o próprio passado histórico da polônia? Enfim, não sei dizer se Ida é um filme de arte, ou por que, mas é evidente que Pawlikowski buscou, para essa sua obra, inspiração num cinema já incomum aos tempos atuais, como o do mestre dinamarquês Carl Theodor Dreyer – nem preciso dizer o quão distante em qualidade está essa comparação, mas fato é que não foi um fracasso retumbante.
Ida é um filme de fantasmas, fantasmas que assombram o que restou de uma família, fantasmas de um país profundamente afetado pela guerra (a segunda guerra mundial, no caso). Anna é uma jovem órfã, às vésperas de fazer seus votos e se tornar freira, quando é incumbida da tarefa de visitar sua tia – única parente viva e que ela nunca conheceu – para que apenas depois esteja pronta para entregar-se à vida clerical. Nesse encontro a jovem descobre que seu nome é Ida e que ela é, na verdade, judia. Acompanhada de sua tia, Ida parte então numa espécie de jornada para encontrar o local onde fora enterrada sua família durante a guerra.

O enredo do filme, quando lido, parece uma história completamente clichê de “jornada de autodescobrimento”, beirando simplesmente à auto-ajuda. De fato, seria possível que ele fosse feito dessa forma – o que não foi o caso – uma vez que o conteúdo do filme é mais vago do que ele se pretende. É a condução e a abordagem dada à história que faz a diferença aqui. Pawlikowski constrói sua obra usando como alicerce as ruínas (emocionais) dessa família – e, de certa forma, da própria Polônia – e cria um drama sutil sem nunca apelar para o sentimentalismo oco. Pelo contrário, Ida é um filme seco, mas não necessariamente frio. O diretor conta a história de forma minimalista, explorando as emoções presentes sem escancará-las nem subestimá-las – é possível sentir o peso que a história dessa família exerce sobre suas duas sobreviventes sem que isso se torne um dramalhão novelesco.

As escolhas estéticas passam longe de serem gratuitas e fornecem uma bela experiência visual, corroborando com a atmosfera sóbria e introspectiva do filme. O enquadramento 4:3 – do qual, devo admitir, eu gosto bastante – foi inteiramente aproveitado por Pawlikowski, que compôs meticulosamente cada quadro do filme e soube muito bem traduzir o espírito dessa história em imagens. Triste e envolvente. Aqui entram também outros dois fatores que foram importantíssimos nessa construção estética e narrativa: a ótima montagem, que lidou habilmente com a estaticidade das imagens capturadas por Pawlikowski e conseguiu dar fluidez à obra; e a belíssima fotografia que aproveitou ao máximo a sobriedade proporcionada pelo preto e branco e ainda conseguiu criar lindas imagens.
A princípio, a insistente recusa de Pawlikowski de mover sua câmera parece gratuita. Depois, apenas no último plano do filme (no qual a câmera finalmente se move), que me fez sentido: a câmera era estática, como era a vida da protagonista durante o filme, sem qualquer convicção; pré-definida; imóvel. Isso muda apenas no ótimo final, quando Ida percebe que a vida “normal” não é menos aprisionadora ou monótona que a vida clerical à qual se dedicaria. Somente então que ela descobre o que realmente deseja e recupera seu propósito. Nesse momento, apenas, a câmera se move, assim como Ida; elas agora vão a algum lugar.


NOTA (3.5/5.0)

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