GUILHERME W. MACHADO
De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).
Esse filme segue bem os padrões da trilogia: um protagonista misterioso e temível, disputa selvagem entre os homens por dinheiro, muito estilo visual, duelos longos e tensos, trilhas sonoras inovadoras... A história pode ser resumida assim: três homens acabam, em circunstâncias diferentes, descobrindo da existência de uma grande quantidade de dinheiro roubado que fora enterrado. Todos os responsáveis pelo roubo estão mortos, portanto ninguém irá atrás do “tesouro”. O problema é que cada um destes homens sabe apenas um pedaço da informação de onde está o dinheiro, portanto eles terão que se unir para pegá-lo; nenhum deles, entretanto, tem intenções de dividir. Em resumo, é um dos mais apaixonantes jogo de gato e rato do cinema.
O
modo como Leone pega um gênero já consagrado e o torce, extraindo o máximo
possível da sua violência sem, por outro lado, trair seus dogmas, é que realmente torna o filme genial. Todos elementos já foram esboçados nos (ótimos) dois primeiros filmes da trilogia, mas foi em Três Homens em Conflito que Sergio Leone consagrou-se mesmo como um ourives do tempo cênico. Numa combinação espetacular de quadros bem compostos e montagem perfeitamente ritmada, o diretor expande, como nunca antes no cinema, o tempo cênico para além do tempo da ação propriamente dita, num exercício que parecia mais próximo do suspense Hitchcockiano (me lembra muito a cena da escadaria de Interlúdio [1946]), mas que aqui compõe algumas das melhores cenas de ação da história. E, que fique bem claro, não foi através de slow motion – recurso muito comum no cinema de ação – que Leone atingiu esse resultado, e sim através da montagem.
A construção dos personagens também é digna de aplausos. Três Homens
em Conflito faz mais do que criar bons personagens (eles não são, afinal, complexos), ele projeta lendas, símbolos que ficaram marcados na história do
western. É a simplicidade dessas figuras que as tornam tão universais. Embora haja um prelúdio (bem longo até) no qual cada um dos três é introduzido, isso não ocorre almejando uma construção psicológica ou numa tentativa de estabelecer um passado que os motive, mas sim no intuito de esclarecer ao público as capacidades e escrúpulos de cada um. São poucos os casos no cinema em que a (proposital) escolha por personagens esquemáticos agregou tanto valor à obra. Levando em conta o gênero, canastrice, se bem controlada, torna-se uma
virtude, e créditos devem ser dados a Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach.
Não há como não dedicar um parágrafo, mesmo que pequeno, para o duelo final deste filme. Os duelos finais são uma marca na carreira de Leone, mas é neste que ele atinge o ápice. Tudo, a escolha do cenário (semelhante a um ringue natural), a encenação teatral na forma como dispõe os personagens, a montagem cheia de cortes rápidos que alternam entre as faces e as armas dos duelistas, a longa demora que alimenta a tensão e, sobretudo, a lendária trilha sonora de Ennio Morricone – que provavelmente deve ser conhecida por pelo menos 7 a cada 10 pessoas, independente de terem visto o filme ou não –, funciona à perfeição. Essa não é apenas a melhor cena do filme, mas uma das melhores da carreira de Leone e (por que não?) do cinema. Um dos climax mais sufocantes, empolgantes e icônicos já feitos.
Três Homens em Conflito mostra
como é possível fazer cinema que entretém com muita qualidade e pouco orçamento
– algo curioso de se observar sob a luz da era de filmes de super-heróis (sobre
a qual não chego a ser tão crítico quanto a maioria). A qualidade
técnica, principalmente por parte da direção e edição, é primorosa; a história
é envolvente e divertida, conseguindo ainda passar por um complicado período
histórico americano de forma nada comprometedora à agilidade da trama; os
personagens entraram para a história; a trilha sonora é lendária; o filme, em
suma, é irretocável.
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