GUILHERME W. MACHADO
Jim Jarmusch quebra com os paradigmas de boa parte da
produção do cinema sobrenatural – principalmente o referente aos vampiros –
quando ele utiliza tais elementos fantásticos como uma plataforma para discutir
a própria condição humana. Amantes
Eternos [2013] é um filme sobre um refinado casal de vampiros vivos há
vários séculos, mas é, realmente, um filme sobre como esses seres, dotados de
uma perspectiva da vida que nunca poderemos ter (afinal, apenas o tempo é capaz
de concedê-la), enxergam a humanidade e sua evolução no decorrer destes seus
séculos de vida.
Os vampiros – palavra não utilizada no filme, o que
lembra o interessante Fome de Viver
[1983] de Tony Scott – de Jarmusch não são como aqueles excessivamente
mitificados que estamos acostumados a ver nas frequentes banalizações desse ser.
A inteligência da caracterização é notável, pois temos elementos
suficientemente claros para reconhecê-los dentro de suas condições, sem que
para tal seja necessária a utilização da nomenclatura e nem a de boa parte dos
clichês e mitos geralmente associados a essas criaturas.
O tempo confere sabedoria àqueles que o aproveitam,
além de maior perspectiva sobre a vida. Jarmusch faz de seu filme uma reflexão
existencial e, de muitas formas, pessimista – deve ser dito – sobre a condição
humana. O casal Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton), Adão e Eva, quando
dialogam sobre os “zumbis” (nós, humanos), caem geralmente em digressões sobre
experiências semelhantes dos séculos passados, o que só mostra um tedioso
padrão de comportamento adotado pela humanidade, que crê se renovar
constantemente, mas que, no fim, apenas anda em círculos.
Por um lado poderia ser lido que Jarmusch zomba da
condição e da filosofia humana, atribuindo muitos de seus grandes feitos
artísticos a esses outros seres (teriam eles escrito as obras de Shakespeare e
composto sinfonias de grandes músicos). Há, de certa forma, uma visão também de
homenagem a esses grandes artistas – tenha ela sido intencional ou não, creio
que sim. Quando se diz que seus trabalhos são, realmente, obra de seres com uma
cultura e sabedoria impossível aos humanos (pela brevidade de suas vidas); indivíduos
como Shakespeare seriam, portanto, dotados de uma sensibilidade artística além
dos padrões humanos.
Amantes Eternos é um filme que transborda elegância, desde seus refinados
protagonistas – que força imagética têm Tom Hiddleston e Tilda Swinton na tela!
Duas figuras incrivelmente intrigantes e de presença marcante – até os
belíssimos enquadramentos, que contrastam a decadência da humanidade com a
magia do mundo singular de Adam e Eve. O design de produção e a direção de
fotografia (ambos ótimos) encarregam-se da criação visual de uma atmosfera
sombria, mas estranhamente calorosa e envolvente. Jarmusch acerta em fugir um
pouco do gótico, lugar comum do gênero, não fazendo seu filme todo baseado em
tons de preto (seus personagens pouco vestem essa cor), sem com isso
abandonar o sombrio e o noturno.
Entre uma decadente, mas ainda estranhamente
interessante, Detroit, que o protagonista adota como uma espécie de templo do
equívoco humano, e a mística e exótica Tanger. Entre a descrença de Adam na
humanidade e o conformismo (otimismo, talvez?) de Eve sobre a mesma. Entre a
sabedoria da vida longa e a efemeridade dos mortais. Entre o lugar comum dos
filmes de vampiro e o “alternativo” cinema de Jarmusch. Amantes Eternos é um filme singular e dotado de uma inexplicável
magia, é necessário vê-lo, mas acima de tudo senti-lo.
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