Pular para o conteúdo principal

Crítica - Maze Runner: Prova de Fogo




Matheus R. B. Hentschke 


Muitos físicos e matemáticos renomados dizem que uma teoria só pode ser considerada finalizada, completa, quando ela pode ser resumida em uma fórmula, ou seja, traduzida da maneira mais simples possível. “Travessia”, foi com essa palavra que muitos fãs definiram a saga de Harry Potter, da célebre autora J.K. Rowling, que abriu caminho para o surgimento de um novo gênero tanto na literatura, quanto no cinema: o gênero de formação juvenil. Essa palavra assim definiu não só a obra, bem como toda uma geração de crianças e adolescentes que acompanharam essa história e cresceram junto desses personagens fictícios. 

Sem dúvida, a autora, ao escrever essa série de livros, quis levar os seus leitores juntos nessa travessia e ao fazer isso conseguiu também sintetizar o que é a adolescência, um período entre períodos que definirá o que cada um será na fase adulta a partir das bases montadas na infância. Como visto em seus livros, esse estágio intermediário soa sempre hiperbólico, grandioso, visto que tudo parece ser mais um passo rumo a mudanças aparentemente drásticas, seja um vestibular, seja o conhecer de uma nova pessoa. Tudo parece urgente nessa fase da vida e Maze Runner, outro livro/filme advindo do gênero de Harry Potter, sabe se utilizar desses conceitos.

Em Maze Runner: Prova de Fogo, Thomas (Dylan O' Brien) e seus aliados saem da redoma do labirinto, visto em Maze Runner: Correr ou Morrer, primeiro filme da saga, e começam a vida como ela é, repleta de novidades e de perigos ocultos, aqui personificados na organização C.R.U.E.L., que com um ar onipresente, se configura como a maior ameaça para o grupo de jovens. Não só isso o grupo tem de enfrentar, mas também o maior dilema de todos os jovens ficcionais e reais: qual rumo é o melhor a ser tomado daqui para frente? A obra, que dá sequência direta a saga iniciada em Correr ou Morrer, baseada na série de livros criada por James Dashner, entra na vasta linha de alegorias acerca da fase mais delicada de um ser humano e consegue encontrar o seu foco após as bases germinais criadas em Correr ou Morrer.

No primeiro filme, tem-se na clareira uma alusão a um ambiente comum a todos os jovens: o colégio. Lá, Thomas (Dylan O’Brien) chega sem memória de sua vida pregressa, em um ambiente hostil com outros jovens desconhecidos e um labirinto cheio de caminhos a serem trilhados, assim como um adolescente comum tem de se deparar na escola com outras pessoas, algumas confiáveis, outras não e um vasto labirinto de escolhas que lhe levará para o mundo real, para a vida adulta. Agora em Prova de Fogo, há a continuação dessa metáfora megalômana juvenil e assim como o seu antecessor, a agilidade do roteiro aliada a um gênero cada vez mais consolidado na mente do público consegue acertar em seu objetivo, sendo um blockbuster elétrico e satisfatoriamente envolvente.

O foco dessa segunda parte foi encorpar a mitologia da obra, deixando-se de lado as falhas tentativas da primeira película de jogar no colo do espectador um monte de nomenclaturas e ideias vazias. Agora, Maze Runner flui de maneira mais natural, sem a tendência de se explicar em demasia, inserindo novos conceitos, como os zumbis, que apesar da restrição de idade para 14 anos do filme, as sequências com esses seres não ficam nem um pouco atrás em relação a outros filmes do gênero de terror; a presença de uma polaridade entre duas facções (C.R.U.E.L. e Braço Direito) que objetivam o mesmo fim, achar uma cura para essa doença que assola a humanidade, todavia com meios diferentes e um vasto mundo desolado e com mais obstáculos a serem enfrentados. Essa mescla de conceitos e ideias já vistas em outros filmes e séries, como em The Walking Dead e Jogos Vorazes, fazem de Maze Runner uma obra que bebe da fonte de múltiplos gêneros, conseguindo criar uma voz própria e singular, que será vítima de outros imitadores no futuro.

Além disso, um dos pontos mais altos da obra é a direção de Wes Ball, diretor dos dois filmes da saga. Ball consegue aproveitar seu orçamento mais recheado do que em Correr ou Morrer e é capaz de melhorar as cenas de ação que têm uma arte e uma dinamicidade de tirar o fôlego, como pode ser visto na cena de fuga do complexo da C.R.U.E.L. e na eletrizante sequência com zumbis em uma espécie de shopping abandonado. A direção acerta em cheio nas cenas de ação, apesar de em diversos momentos cometer o erro de tentar imprimir uma marca não-verbal em sua obra, com o intuito de dar-lhe um maior estilo, forçando o posicionamento dos seus personagens em enquadramentos poéticos, mas que tornam algumas cenas um tanto artificiais, como na cena em que Winston (Alexander Flores) morre e todos, em fila no deserto, param em tom de respeito. Entretanto, se o roteiro consegue manter o ritmo da história em um tom constante de emergência, além de criar uma metáfora para os problemas de um adolescente comum e a direção consegue dar o suporte através de cenas de ação ágeis, a obra ainda assim apresenta algumas carências.

Cenas que mostram a morte de Winston e a traição de Teresa (Kaya Scodelario) [confira a entrevista da atriz aqui] exemplificam perfeitamente os deslizes cometidos por Maze Runner: Prova de Fogo. A maioria dos personagens apresenta um vasto potencial a ser explorado, todavia não foram amplamente desenvolvidos. Personagens como Thomas (Dylan O' Brien), Teresa (Kaya Scodelario), Minho (Ki Hiong Lee), Brenda (Rosa Salazar) e Newt (Thomas Brodie-Sangster) apresentam um incipiente carisma e uma força oculta que não são revelados ou por incompetência de um roteiro preguiçoso com suas peças mais importantes, ou por uma opção falha de focar na urgência dos fatos ocorridos ao longo do enredo sem melhor aproveitar alguns momentos que poderiam ser cruciais para o desenvolvimento individual de cada um dos personagens e de sua respectiva interação.

Outro quesito que a obra peca é em tomar diversas soluções fáceis seja por mostrar demais o que irá ocorrer a seguir, seja por reviravoltas óbvias demais. Se em Correr ou Morrer a trama era envolta por um mistério tão sólido que o filme ficou praticamente embasado nesse fator, Prova de Fogo abandona a aura de suspense e abraça a ideia de um enredo mais rico de detalhes, todavia com carência de impacto, principalmente em sua metade final. A intensidade presente em Maze Runner: Prova de Fogo quase que se baseia apenas em dois fatores: personagens com carisma mais pelo esforço de seus intérpretes do que propriamente por ajuda do roteiro e cenas de ação de tirar o fôlego, sendo o grande mérito de Ball.

Em suma, Maze Runner: Prova de Fogo amplia os conceitos vistos no filme que o antecede e mantém o nível de qualidade, que o coloca em um patamar bem abaixo de Harry Potter e Jogos Vorazes, ainda que bem acima de outras sagas teens, como a insultante saga Crepúsculo e a insossa saga Divergente. Hollywood prova que soube capitalizar em cima de obras que exponencializam a já agitada vida de um adolescente, com filmes que trazem toda a ação que ocorre na cabeça de um jovem e a transforma em perigos reais e hiperbólicos. No entanto, muitos só conseguem trazer à tona um perigo real: o de enganar os seus espectadores com ideias vazias e um acumulado de cenas pífias. Com certeza, Maze Runner não faz parte desse hall de obras sedentas apenas pelo dinheiro do seu público, mas sim traz algo a mais para um gênero que ainda gera grandes receios a muitos, apesar de continuar em alta.

“Revigorante”, seria o melhor jeito de definir Maze Runner em uma só palavra.

NOTA




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Retrospectiva: 1977

GUILHERME W. MACHADO Percebi que 2017 já está quase acabando e tem vários grandes anos "aniversariantes" para os quais ainda não prestei homenagem. Entre eles, 1977. 77 foi ao mesmo tempo um ano de consolidação da maturidade de antigas lendas quanto do surgimento ainda cru de outras novas, o que se reflete de forma tão óbvia nessa seleção com jovens em ascensão como Lynch, Scorsese e Woody Allen intercalados com figurões consolidados como Buñuel, Resnais e Cassavetes. No meio destes há ainda grandes como Herzog (que certamente está na briga quando se fala no melhor cineasta daquela década) e Argento, ambos também em processo de amadurecimento.

Três Homens em Conflito (Sergio Leone, 1966)

GUILHERME W. MACHADO De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).