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Perdido em Marte (Ridley Scott, 2015)

GUILHERME W. MACHADO

Não consegui evitar a dúvida, enquanto assistia ao novo filme de Ridley Scott, do que seria, realmente, esse filme. O que é Perdido em Marte? Não é um thriller espacial, é muito leve para isso; não é um filme sobre o isolamento e seu efeito no indivíduo, sequer trata disso de forma coerente; não é um típico blockbuster sci-fi, tem muito poucas cenas de “espetáculo”; não é – ainda bem – um filme propriamente sobre ciência, apesar de gastar muito tempo nos lecionando superficialmente sobre ela; sobretudo, não é – por incrível que pareça – um filme ruim.

Não confunda, leitor, essa ausência de auto-definição do filme com originalidade. Evidentemente que não há frescor criativo em abundância a ponto de torná-lo único, sem ponto de comparação. Vejo-o simplesmente como um híbrido, um filme preso entre essas diferentes “modalidades”, acumulando sem resistência a maioria de seus clichês e vícios narrativos. O que é impressionante, portanto, é como o experiente Ridley Scott conseguiu dar vida útil a toda essa mesmice e impedir com que ela fique desinteressante, o que seria seu curso natural.
Ritmo é um fator fundamental para Perdido em Marte. Muito bem balanceado, o filme sustenta tranquilamente suas excessivas duas horas e meia de duração (a história é bem magra e não necessita, de forma alguma, de todo esse tempo para se desenvolver), mantendo o espectador exatamente onde deseja todo o tempo. Em termos de talento narrativo, parabéns a Scott, seu feito aqui surpreende pela dificuldade do desafio. Outro indivíduo talentoso tem, entretanto, participação vital nessa que é a maior qualidade do filme: o montador duplamente oscarizado Pietro Scalia. Sem nunca pender aos extremos (frenético ou lento), Scalia encontra um agradável balanço que torna a experiência bastante confortável.

Já Drew Goddard, um dos roteiristas com melhor tino comercial da atualidade, entrega uma história simples e nada especial. Seu único acerto ocorre no trato do personagem, contando com a ótima colaboração de Matt Damon (ator que tem carisma e cativa o público facilmente, o que foi fundamental aqui), que é o principal fator de seu trabalho, o que mantém nossa atenção na história mesmo antecipando facilmente todos seus desdobramentos. O enredo, afinal, poderia ser facilmente resumido em uma frase. Sinto que é nesse ponto que ocorre o maior desperdício da obra, que explorou muito pouco dentro das suas possibilidades, dedicando muita energia à desinteressante parte científica.
Vale lembrar, mesmo que seja chover no molhado, as severas críticas feitas ao Interestelar [2014] de Christopher Nolan em relação ao seu didatismo científico. Ainda que não sejam infundadas – tal didatismo realmente ocorre –, elas pecam pela distorção de foco, por criticar uma obra justamente pelo que ela se propõe e cobrar dela justamente o que ela não pretende ser. Interestelar traz, em meio a essas necessárias explicações (não é, em geral, o tipo de informação que poderia ser suprimida sem comprometer o andamento da história), muito mais reflexões e explora seu tema com mais profundidade do que o filme em questão nessa crítica. Perdido em Marte é muito simples, mesmo que haja uma desculpa esfarrapada (o vlog de Damon não tem qualquer utilidade real no enredo do filme, a não ser nos explicar tudo o que acontece) para este, não precisamos de todo seu didatismo para que consigamos acompanhar sua história.

Perdido em Marte é um filme bacana e que entretém, mesmo que de forma passageira. O que fica mesmo é a crítica ao espectador moderno, um espectador que alterna incoerentemente entre a implicância infantil e a adoração incondicional. O novo filme de Ridley Scott, com sua hype desproporcional, fica como exemplo mais contundente disso na temporada até então.


NOTA (2.5/5.0)

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