GUILHERME W. MACHADO
Na recente arte que é o cinema – quando a comparamos
com as outras, que têm séculos, até milênios, de idade – a modernidade já foi
tratada e retratada em muitas ocasiões. Talvez o caso mais célebre seja o
clássico Tempos Modernos [1936], de
Chaplin, e não sem razão de ser, mas certamente um dos melhores filmes que
abordam o tema é Meu Tio [1958], o
filme mais famoso do prestigiado Jacques Tati, provavelmente por tê-lo
concedido o seu Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1959.
Jacques Tati monta seu filme em cima de um gritante
contraste entre duas realidades francesas de seu tempo: uma é a França burguesa
e moderna, cada vez mais preguiçosa (não à toa que o casal central é mais
gordinho) e vazia; a outra é a França periférica, porém muito mais viva e
calorosa. Há um claro maniqueísmo aqui, um tipo de parcialidade que poderia
prejudicar severamente o filme se não tivesse sido tão bem manejada – com
críticas suavemente aplicadas em conjunto com uma boa dose de alívio cômico,
nunca pesando a mão – por Tati.
Até aí tudo normal, nada que não tenha sido feito por
centenas de filmes medíocres. É no grau de detalhamento da narrativa que se
encontra o diferencial. Tati aborda fortemente a automatização, o excesso de
praticidade trazida pela modernidade às altas classes que podem pagá-la. Para
alcançar seu objetivo ele faz uso de uma linguagem primordialmente visual, numa
espécie de resgate das narrativas do cinema mudo. Não há didatismo por parte do
roteiro, os poucos diálogos – geralmente de propósito cômico – não servem de
bengala para tornar a obra compreensível ou mais clara para o espectador. E ela
é bastante clara, mesmo assim, o que prova o domínio do diretor/roteirista
sobre sua arte.
É nessa situação que a parte técnica, com destaque para
a direção de arte, mostra todo seu potencial. Os cenários são ricamente elaborados
de forma a ter um papel decisivo na narração da história. Além do predominante
uso de branco e tons de cinza tanto na casa da família central quanto no local
de trabalho do pai, há toda construção estética fortemente geometrizada,
facilmente perceptível no jardim da casa. Há ainda o apoio do figurino, que
insiste em vestir o casal em branco ou cinza. Tudo isso faz parte de uma
linguagem visual que aponta constantemente para essa realidade vazia, prática,
e sobrecontrolada da camada social em questão.
Meu Tio é cinema na sua forma mais primordial de linguagem,
construindo seu envolvente universo crítico através de contundentes recursos
visuais. Ele se insere num contexto em que a comédia – mesmo a comercial, que
não é caso aqui – também era um gênero cujos cineastas preocupavam-se com a
estética, com a tão falada mise-en-scène.
A prova são filmes como O Terror das
Mulheres [1961], Um Convidado bem
Trapalhão [1968] e a obra prima Quanto
mais Quente Melhor [1959].
NOTA (4/5)
Comentários
Postar um comentário