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É Apenas o Fim do Mundo (Xavier Dolan, 2016)


GUILHERME W. MACHADO

Então... Não é de agora que o Festival de Cannes mantém uma política (não oficial) de promover autores que, às vezes mesmo com muito pouco, já caem no seu agrado. Xavier Dolan é um destes diretores (tal como Jacques Audiard, os irmãos Dardenne, Nuri Bilge Ceylan, Michael Haneke, etc) “adotados” pelo festival francês, e não é difícil perceber que muito em breve o canadense embolsará uma Palma de Ouro. De qualquer forma, isso não quer dizer, necessariamente, que essas escolhas do festival em premiar seus protegidos são sempre ruins, apenas bem parciais – o que eu sinceramente não sei como acontece em termos práticos, pois o júri muda todo ano, mas sempre os mesmos diretores são premiados.

É Apenas o Fim do Mundo não é um desastre (como foi Mommy [2014], filme anterior de Dolan), mas é intensamente irregular, como seu diretor. O desejo por autoria é evidente, o jovem canadense clama desesperadamente por isso, tentando sempre imprimir muita identidade em suas obras, mas, justamente por esse processo ocorrer através de uma imposição forçada e não de uma visão de mundo naturalmente autoral, o resultado sempre é um filme recheado de excessos e catarses incômodas. Por outro lado, fica difícil criticar muito esse filme pela falta de naturalismo, uma vez que ele abraça o artificial de prontidão; não há, visivelmente, nenhuma intenção de abordar a situação com sutileza.
A história da reunião familiar marcada por conflitos e fantasmas do passado não é nenhuma novidade – o que não é um problema, bom deixar claro – mas nesse filme o texto é apoiado com nada mais do que uma sequência de falas mal escritas e diálogos hiperexpositivos. O roteiro é, portanto, o grande buraco do filme de Dolan, que busca jogar toda sua pretensa inteligência emocional na cara do espectador a cada cena. Os grandes blocos de diálogo que formam toda estrutura da obra são interrompidos, ocasionalmente, por flashbacks regados por música pop e uma fotografia sobre estilizada que, embora sejam passagens com muito pouco propósito narrativo, são os melhores momentos do filme. Dolan realmente leva jeito na combinação de música pop com imagens impressionistas, antes ele se dedicasse mais a esse tipo de cinema.

Mas, como disse, É Apenas o Fim do Mundo não são apenas defeitos. A proposta de direção do canadense, mesmo que clame por uma noção imatura de autoria, é sim interessante e combina com seu material. A escolha pela abundância de close-ups, com a câmera muito próxima dos personagens, e a recusa pelos planos gerais – que existem, mas apenas porque não há como evitá-los – enquadrando todo elenco, mostram uma boa consciência de Dolan sobre linguagem visual. Não há diálogo verdadeiro entre os membros da família, a situação é de incomunicabilidade total, e isolar cada personagem em seus quadros exclusivos é uma boa maneira de evidenciar essa situação.
Por fim, mas não menos importante (ao contrário, mais): Marion Cotillard. A atriz faz milagre num elenco desprovido de sutilezas e mostra ser verdadeiramente “à-prova-de-má-direção-de-atores”. Seu trabalho, que também calha a ser na personagem mais interessante do filme (seguramente a mais lúcida sobre os eventos daquela tarde, uma vez que seu envolvimento emocional era menor que o restante por não compartilhar do passado familiar), é tão delicado, com olhares tão precisos, e com uma personalidade passada e reforçada a cada linha de diálogo falada com hesitação, ou cada trejeito de sua tensa linguagem corporal, que não o classifico como nada menos que perfeito, ainda mais em meio aos maneirismos de seus colegas, que nada mais são do que reflexos da mão pesada do autoproclamado autor.

Visto no Festival do Rio 2016*

  NOTA (2.5/5.0)

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