GUILHERME W. MACHADO
Não sou, realmente, um grande fã de biografias no cinema. Nem mesmo de filmes baseados em eventos reais ou filmes de reconstrução histórica, que seguem uma linha parecida. O problema reside muito na prática comum de tratar essas obras com muita exatidão, fazendo delas mais uma simples reconstrução de fatos e eventos do que um objeto de exploração para sentimentos ou personalidades que, apesar de serem individuais, refletem muito nas sociedades nas quais estão inseridas. Claro, toda regra tem sua exceção e - sendo justo - a biografia é um formato que oferece bastante, mas raramente é aproveitado. Tenho notado com particular intensidade que recentemente têm-se feito ótimas cinebiografias. O formato sempre teve lá sua popularidade, principalmente nos resultados do Oscar; é recentemente, entretanto, que ele tem explorado novos potenciais, muito, acredito, através do avanço do cinema digital (que, sem querer entrar nos méritos dessa longa discussão, tem sim coisas boas, bem como outras ruins, perante o filme).
10. Pasolini (Abel Ferrara, 2014)
Ferrara sintetizou magistralmente a figura do cineasta Pier Paolo Pasolini através de uma abordagem bastante sucinta. Pasolini acompanha o polêmico cineasta nas suas últimas 24hs de vida, o que, por si só, já é uma aproximação diferente no universo das cinebiografias, mas Ferrara executou a proposta com tanto afinco que consegue fazer, desses trágicos momentos finais, um retrato imensamente perspicaz sobre Pasolini, tanto como pessoa quanto como cineasta.
09. O Grande Mestre (Wong Kar Wai, 2013)
Não é automático assimilar o grande épico, com anos e anos de produção, de Wong Kar Wai, como um "filme biográfico", apesar de obviamente sê-lo. O mestre taiwanês capta aqui com uma sensibilidade visual aguçada o cerne da doutrina do grande mestre (Ip Man, mestre, dentre outros, de Bruce Lee) em questão, com a câmera acompanhando numa fluidez impressionante cada gesto e movimento, numa delicada dança dos corpos que é de dar inveja. Belo filme, subestimado pela crítica e público.
08. A Mocidade de Lincoln (John Ford, 1939)
Por trás do ícone, existia a pessoa. Ford fez um grande filme sobre o civil Lincoln, não sobre o lendário presidente. A humanidade e ternura do retrato, que acompanha uma etapa (escolhida por muito bem simbolizar um todo desse momento) de formação desse indivíduo que poucos anos depois entraria para os livros de história, fazem desse filme uma obra incontestável numa lista dessas.
07. A Rede Social (David Fincher, 2010) / Steve Jobs (Danny Boyle, 2015)
Primeira de algumas "combinações" da lista, juntei Steve Jobs e A Rede Social não apenas pela figura do escritor (ambos roteiros de Aaron Sorkin), mas também por serem filmes que, num nível de qualidade semelhante - sim, realmente acho -, representam figuras que, numa visão mais ampla, são pilares da construção da nossa sociedade contemporânea. Brilhantemente roteirizados, são projetos ambiciosos na sua missão de abraçar questões centrais da nossa era, e, além de tudo, elaborados estudos de personalidade de "homens de grandes feitos", não necessariamente "grandes homens".
06. O Aviador / O Lobo de Wall Street (Martin Scorsese, 2004/2013)
Foi só vendo essa lista (quando já completa) que me ocorreu que Martin Scorsese realmente é o rei da cinebiografia. Mérito que nunca vejo ser creditado a ele. Juntei esses dois filmes, dos quais gosto muito (muito mesmo), pela semelhança de sua estrutura. Ambos adotam um tom mais operístico, até artificial, na construção de figuras-símbolo de suas indústrias (cinematográfica e no mercado de ações), além de serem narrativamente semelhantes, não apenas pelo tempo de duração, mas por adotarem uma mesma linha de ascensão e decadência.
05. Amadeus (Milos Forman, 1984)
Vencedor do Oscar em 1985, Amadeus é um ótimo retrato de sentimentos tão recorrentes ao ser humano, como a inveja e a admiração. O fato do filme ser muito mais sobre Antonio Salieri do que o lendário Wolfgang Amadeus Mozart fala muito sobre a sua proposta. Tem toda aquela choradeira de ser uma relação super ficcionalizada entre os dois músicos, com várias "licenças poéticas", mas isso pouco me importa, o vejo como um grandioso filme sobre certas relações de inveja, admiração e até amizade/inimizade, incrivelmente bem escrito e filmado com um requinte louvável.
04. Sniper Americano / Sully (Clint Eastwood, 2014/2016)
Juntar esses dois filmes foi a decisão mais óbvia que fiz na lista, uma vez que os enxergo como parte de um mesmo projeto de Eastwood na (des)construção de ícones americanos, sendo outra parte desse mesmo projeto o mais fraco J. Edgar (2011). Perseguido com duras críticas por pessoas que acreditam ter o monopólio dos bons valores humanos, Sniper Americano é um grande filme sobre uma pessoa extremamente problemática emocionalmente e cuja criação e valores refletem (criticamente) muito nos da própria sociedade americana. Sully, sem a polêmica, segue a mesma linha, desenvolverei mais detalhes sobre esse num texto completo sobre esse filme em breve aqui no blog.
03. Ed Wood (Tim Burton, 1994)
Obra-prima de Burton, Ed Wood talvez seja a grande trapaça da lista. Por mais que seja sobre uma figura real, é uma narrativa muito menos biográfica que as outras. De qualquer forma, Burton adere como nunca ao seu lado farsesco nesse cativante filme sobre uma das personalidades mais excêntricas e, de certa forma, marcantes que já passaram pelo cinema. No fim das contas é mais uma homenagem (ao próprio cinema) travestida de retrato irônico.
02. Van Gogh (Maurice Pialat, 1991)
01. Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980)
Pronto, Scorsese lacrou o gênero, e não poderia ser diferente. Touro Indomável pode ser muito pouco fiel à história do boxeador Jake La Motta, mas é extremamente fiel ao retrato psicológico que pretende construir. O próprio diretor já afirmou inúmeras vezes que não tinha interesse no esporte em si, e sim na pessoa construída na tela (que, de muitas formas, transcende a pessoa real). É o epítome da arte que desprende-se da vida real e torna-se algo muito maior e mais complexo. Um filme lendário em todos aspectos de sua realização.
Por puro esquecimento, me escapou um filme que seguramente teria entrado na lista, como não é justo tirar algum dos já presentes para incluí-lo, o faço como um bônus, sem alterar a lista original, embora ele devesse ter entrado nela.
EXTRA (edit 17/12):
Ali (Michael Mann, 2001)
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