Pular para o conteúdo principal

La La Land (Damien Chazelle, 2016)

GUILHERME W. MACHADO


Muito curioso que na premiação do Globo de Ouro, domingo passado, tenham falado e repetido tanto da coragem dos produtores de terem bancado um “musical contemporâneo”. Curioso porque de contemporâneo La La Land só tem o ano (o filme se passa nos tempos atuais), mas toda roupagem, toda abordagem, até mesmo a temática, TUDO remete ao passado, principalmente aos musicais de Gene Kelly dos anos 50 e aos de Demy nos anos 60. A verdade é que retrô está em moda, Stranger Things surfou nessa onda em 2016 e La La Land aproveita uma vibe semelhante. Mesmo que poucos dentro daquela lotada sessão de cinema conheçam, realmente, os filmes de Kelly e Demy – assim como muitos não pegaram metade das referências oitentistas da série da Netflix –, ninguém ousaria falar mal. É um tributo, oras, e isso não é difícil de identificar.

Isso não é para dizer que não gostei do novo fenômeno de crítica e público do jovem Damien Chazelle (Whiplash), ao contrário, confesso que a experiência foi bem agradável, é só uma observação mesmo sobre as recentes tendências. A verdade, todavia, é que, por trás de todo deslumbre – e não vejo porque não apelar para o exibicionismo num filme desses, quando é, inclusive, o que esperamos ver –, há algo de paradoxal que incomoda um pouco em La La Land, embora o final faça um bom trabalho na resolução dessas questões.
Existe um forte contraste tonal entre a vibe feel good do tão anunciado “filme de sonhadores” com a faceta romântica-melancólica, importada diretamente do clássico Os Guarda-Chuvas do Amor (Jacques Demy, 1964) que claramente serviu de grande influência para Chazelle, o que não permite que o filme abrace nenhuma das duas por inteiro. Há temas e abordagens que funcionam em conjunto, mas nesse caso, o conflito entre a postura de seriedade sobre os temas tratados e a leveza, que é privilégio adquirido dos musicais, causa ruptura. Em resumo, a tolice do velho clichê do artista-sofredor-sonhador não combina com a almejada maturidade da abordagem sobre as relações românticas e como elas são afetadas pelo tempo.

O desfecho, entretanto, é um grande acerto. Ao mostrar um caminho alternativo para os eventos decorridos no filme, Chazelle permite ao espectador escolher: então, o que vale mais a pena? E não é uma pergunta tão óbvia assim, mesmo que o nosso primeiro instinto aponte diretamente para um lado emocionalmente mais “óbvio”. Há, ali, uma possibilidade de negação ao resto do filme que achei bem interessante, mostrando que a vida não precisa ser tão colorida para ser bem vivida, é tudo uma questão de escolha, mas não de UMA escolha, e sim de uma série de pequenas bifurcações no caminho.
Por mais que não seja meu foco, tenho que adereçar algum espaço para os números musicais. Nesse aspecto o filme tem de tudo, há os números virtuosos, como a grande sequência musical de abertura filmada em plano único – que provavelmente usou CGI para esconder os cortes, mas não sei ao certo –, tem os intimistas, tanto solo de Stone quanto de Gosling, tem o número romântico fantasioso (adivinha se eles não saem voando?) e até o clássico sapateado, que é muito bem coreografado. O maior sucesso do filme como tributo ao gênero e os seus clássicos está justamente na condução dessas cenas musicais, nas quais Chazelle consegue incorporar quase tudo: Kelly, Minelli, Demy...

La La Land é, e não nega ser, um produto comercial, que veste seus defeitos como uma capa para que não possam ser usados contra ele, mas pelo menos ele assume seu papel e tenta desempenha-lo ao máximo, com todas piruetas, maneirismos, visual extravagante, clichês e, inclusive, momentos de seriedade (especiaria que a modernidade agregou ao mainstream) exigidos a um filme “de Oscar”. E não vejo pecado nisso, fui aliás, um dos poucos defensores de Birdman no meu meio, mas cada filme tem que ser reconhecido pelo que é, e o fato é que La La Land foi feito para agradar. Embora muito abordado como um resgate do musical clássico (o que, invariavelmente, é), me pareceu muito mais como um anti-Cidade dos Sonhos, sendo, em todos aspectos, o ingênuo reverso da potente crítica Lynchiana sobre o sonho Hollywoodiano. Um filme pronto para ser adorado, e é inegável o quão lindas são suas imagens, mas não muito mais do que bom.

NOTA (3/5)
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Retrospectiva: 1977

GUILHERME W. MACHADO Percebi que 2017 já está quase acabando e tem vários grandes anos "aniversariantes" para os quais ainda não prestei homenagem. Entre eles, 1977. 77 foi ao mesmo tempo um ano de consolidação da maturidade de antigas lendas quanto do surgimento ainda cru de outras novas, o que se reflete de forma tão óbvia nessa seleção com jovens em ascensão como Lynch, Scorsese e Woody Allen intercalados com figurões consolidados como Buñuel, Resnais e Cassavetes. No meio destes há ainda grandes como Herzog (que certamente está na briga quando se fala no melhor cineasta daquela década) e Argento, ambos também em processo de amadurecimento.

Três Homens em Conflito (Sergio Leone, 1966)

GUILHERME W. MACHADO De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).