GUILHERME W. MACHADO
Bizarro
que a volta de Shyamalan ao sucesso (Fragmentado
custou apenas 9 milhões e já passou dos 250 nas bilheterias) seja com um filme
que: 1) é mais uma extensão – provavelmente a mais radical – de seu tema
preferido, o trauma; 2) subverte tanto daquilo que se espera na sua condução
dentro do gênero de suspense. Sei que ainda vou me arrepender de escrever sobre
esse antes de uma revisão, pois foi realmente uma experiência bem diferente do
que eu esperava antes de ir para o cinema, mas no momento é inevitável.
Aliás,
esse não é o suspense do M. Night Shyamalan que a maioria dos espectadores,
sejam fanboys ou haters, esperaria ver. As marcas de seu cinema são bem
conhecidas, a ponto de frequentemente servirem como motivo de piada para seus
detratores (principalmente a questão das reviravoltas), mas em Fragmentado o cineasta busca mais uma
espécie de reavaliação do próprio estilo. Se antes já agradava apenas um grupo
específico de admiradores – dentro dos quais me coloco – que tiram proveito até
de seus trabalhos mais rechaçados, creio que seu novo esforço causará um grau
ainda maior de insatisfação entre o latente grupo de fans-turn-haters, que não cansam de repetir “Sexto Sentido, Sexto
Sentido, Sexto Sentido”.
O
que mudou, então? Bastante, mesmo que o tema central seja o trauma (elemento
que atinge personagens importantes em absolutamente todos seus filmes), a
abordagem de Shyamalan sobre ele é bem diferente. Não há aqui nenhuma redenção
dos personagens traumatizados com seus passados, como é o caso, por exemplo, em
Sinais (2002). Pelo contrário, em Fragmentado o diretor se recusa,
inclusive, a oferecer uma resolução ao arco dos protagonistas. Dessa vez o
trauma continua, e sempre continuará enquanto não houver uma sociedade que acredite nas vítimas, por mais improváveis que pareçam suas histórias.
Escolha curiosa, esse final, pois o filme em si é bastante expositivo
– outra mudança no estilo do diretor, que costuma guardar seus segredos à sete
chaves –, Shyamalan aqui não segura nada que pudesse atrapalhar o decorrer da trama,
tudo que precisamos para acompanhar é revelado prontamente nos diálogos ou nos
flashbacks. Por outro lado, tudo que não é essencial fica para a nossa
imaginação. Muita informação sobre o personagem (os personagens, no caso) de James
McAvoy fica, no máximo, subentendida. A natureza do trauma que causou sua
condição, por exemplo, é incerta. Temos pedaços de informação que são
suficientes para compreender o quadro geral. O mesmo se aplica a Casey (Anya Taylor-Joy, mesma atriz de A Bruxa do ano passado),
sabemos a origem de seus problemas psicológicos, mas nunca a extensão completa
da história.
Outro
revisionismo que Fragmentado propõe
dentro da carreira de Shyamalan – e certamente tem vários outros – é em relação
ao filme A Vila (2004). Sem entrar
em muitos detalhes (na tentativa de manter o texto sem spoilers), quem viu os
dois filmes pode constatar que o processo de expectativa vs resultado é
invertido. Ambos filmes passam por uma transição entre suspense [psico]lógico e
sobrenatural, mas em sentidos diametralmente opostos. Se o filme de 2004 foi criticado por
alguns de prometer uma coisa e entregar outra, esse de 2016 percorre
precisamente o caminho reverso do anterior.
Não
costumo me escudar nisso, mas esse é um filme que realmente preciso de uma
revisão. De qualquer forma, a primeira impressão foi bastante positiva, tendo
minha estima pelo filme crescido nas horas subsequentes à sessão. Shyamalan
pode ter todos defeitos que quiserem apontar – até concordo com alguns – mas sua competência como artesão é incomum no cinema de gênero atual, atrás apenas de um Kiyoshi Kurosawa. Fora que é sempre gratificante perceber o
quanto uma obra ressona dentro da filmografia de um autor (afinal, a arte não é
algo isolado e nada é concebido numa bolha) tão preocupado com o conjunto
geral, seja na direção, que lida excepcionalmente bem com o espaço, ou no texto, muito conciso e consciente do que quer passar.
NOTA (4/5)
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