Há
tempos que eu ensaiava de escrever sobre essa característica que tanto me chama
atenção no Carpenter: a inconclusão, o terror que se recusa a acabar. Como essa semana acabei revendo a obra-prima O Enigma
de Outro Mundo (1982), acho que o momento é tão oportuno quanto qualquer outro. Seguramente tem muitos
elementos característicos no cinema do americano (seu uso do widescreen, as
trilhas sonoras com sintetizadores, a forma como embrulha temas políticos em
alta ficção científica...) dignos de serem explorados, mas um artigo de cada vez, no momento me detenho nesse aspecto.
Importante
constatar desde já que essa escolha pelos finais abertos nos filmes de
Carpenter não é uma antecipação para possíveis continuações. Engraçado, porque Halloween é uma das franquias mais
famosas do cinema, mas o original foi um projeto pequeno, um filme completo em
si só, mesmo que seu final tenha acabado servindo como ponto de partida
imediato para Halloween II (1981). Tanto
Carpenter quanto Debra Hill (produtora da franquia) já disseram que
inicialmente não queriam uma sequência e que aceitaram pelo retorno financeiro.
Fato é que Carpenter nunca dirigiu uma continuação dentro do gênero de terror –
sendo a única em toda sua carreira o frenético e cômico Fuga de Los Angeles (1996), que segue uma proposta bem diferente do
clássico de ação/ficção Fuga de Nova
York (1981) –, tendo no máximo produzido e contribuído com roteiros de
outros filmes de franquias baseadas em suas obras.
O
que Carpenter busca, então, com seus finais inacabados, se não é abrir
porta para continuações? Entre outros efeitos, ele faz com que o terror
continue na cabeça do espectador. Esse é convidado a sair de sua posição de
mero observador e passar a ser também narrador contribuinte da obra assistida.
Eu, por exemplo, tenho minha ideia acerca do final de O Enigma de Outro Mundo, assim como metade da internet, pelo que tenho visto. Interpretação essa que
não é fruto de uma constatação evidente que possa ser feita pelos fatos do
filme em si, mas uma especulação plausível perante as possibilidades oferecidas
pela última cena. No caso desse exemplo específico, acredito que um dos
personagens (tenho meu palpite de qual seja, mas não vem ao caso) seja “a
coisa”, enquanto o outro é o último sobrevivente humano. Tenho como afirmar
isso categoricamente? Não, embora também não possa afirmar que não seja o caso.
O
desfecho de O Príncipe das Sombras
(1987) segue uma linha semelhante, mesmo que ofereça uma solução mais concreta
ao problema imediato. É um caso um pouco diferente, pois o arco central é devidamente finalizado, mas a última cena (na qual vemos o fim da "visão", já mostrada parcialmente antes no filme) abre espaço para novas interpretações. Não deixa de ser uma provocação que desperta a
curiosidade do espectador, desfazendo inclusive a certeza de que a conclusão antes oferecida seja definitiva. Considero esse o seu final
mais enigmático (confesso também que não o revi muito ainda) e o mais inconclusivo para mim.
Por
outro lado, nem sempre os finais de Carpenter são necessariamente um convite à
criatividade do espectador. Por vezes eles assumem funções narrativas mais conceituais.
Em Halloween (1978), por exemplo, acredito
que a intenção seja um pouco diferente dos já citados. Não é o caso de
especular o que acontece ou deixa de acontecer depois, e sim de criar uma mitologia (reforçada
ao longo de todo filme) ao redor do personagem de Michael Meyers, o “bicho
papão”. A imortalidade evidenciada ao fim do filme estabelece definitivamente
ele como a representação de uma entidade maligna imparável, desprovida de
qualquer emoção ou vulnerabilidade humana.
À Beira da Loucura
(1994) é outro caso em que menos interessa propor que o espectador especule
alguma solução final e mais estabelecer o caos e o terror como um mal não
solucionável. Ademais, há a função metalinguística de deflagrar que tudo não
passa de uma grande encenação, uma ode ao potencial criador do cinema. O mesmo
vale para Pesadelo Mortal (2005),
que como um todo tem muitas semelhanças com esse filme. Não deixam de ser dois dos mais sintomáticos filmes da carreira do diretor nessa busca por um terror que vai além daqueles 90 minutos (50, no caso do segundo) de filme. Um que não oferece uma solução em si mesmo, coisa tão incomum no gênero.
A verdade é que pra Carpenter não há solução. Ele pode até oferecer ao espectador a chance da especulação, mas em nenhum caso há realmente uma saída (Michael Meyers sempre voltará, se um dos dois for "a coisa" não há nada mais que o humano possa fazer, o caos apocalíptico não tem mais como ser revertido, etc). A forma como encerra seus filmes é uma de suas marcas mais notáveis como autor. No fim, é um recurso que pode assumir diferentes funcionalidades, dependendo de uma questão de coerência, de como esses
finais podem se adaptar a cada material e qual função que assumem neles. O que sempre fica é essa sensação de inevitabilidade, de terror interminável, que permeia toda carreira do diretor com muita coerência.
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