Não
sei por que demorei tanto pra escrever sobre esse filme, muito menos por que
demorei pra assistir o último (Resident
Evil: Final Chapter [2016]). Esse texto, mesmo que foque nesse que é ápice
da saga Resident Evil, acaba servindo como análise conjunta de todos
os últimos três capítulos dela dirigidos por Paul W.S Anderson: Afterlife (2010), Retribution (2012) e Final
Chapter (2016). Não é o caso, todavia, do primeiro filme, Resident Evil (2002), que, embora também do diretor, é um produto
completamente diferente dos rumos que a franquia veio a tomar.
Resident Evil, como
saga que realmente ganhou vida a partir de seu quarto filme – ainda que o
primeiro seja interessante –, virou um produto marcado pelas camadas de
artifício que o cobrem. São filmes que abraçam sua virtualidade, sua própria
existência artificial, e a convertem num fascinante exercício de manipulação
cênica. Cada filme, cada cenário, é meticulosamente construído como um universo
plenamente controlável, cujo único propósito é se desenrolar numa série de desafios
para a protagonista Alice (Milla Jovovich). É, sem dúvidas, o expoente do
cinema-videogame, o filme que melhor soube capitalizar a estrutura dos games e traduzi-la
para o cinema. E, nesse aspecto, sintomático como representação cinematográfica
de uma geração.
Não
é difícil observar o quanto o filme se constrói nessa lógica de fases a serem
passadas. Os cenários – aqui parte essencial da construção narrativa como em
poucos exemplos recentes –, mesmo quando contidos ou amplos, sempre apontam
claramente para uma direção a ser seguida e geralmente operam com uma qualidade
confinadora, um espaço hostil a ser escapado. Há também, como se esperaria de
um videogame, um nível escalonar de dificuldade, com novos desafios que se
apresentam a cada set piece. O
enredo, por sua vez, é apenas o pretexto para movimentar as ações, mantendo-se
simples o suficiente para não interferir na dinâmica, pois o que importa
verdadeiramente é a experiência, o jogo.
Paul
W.S Anderson é uma espécie de ultra formalista do cinema contemporâneo. Um
cineasta obcecado com a forma, que constrói o filme ao redor dessa, quando
geralmente é o contrário que ocorre. Claro que, como tal, ele é um produto da
era digital – e, provavelmente, um dos diretores com uso mais pioneiro desse
formato –, seus filmes apenas são possíveis frente o avanço tecnológico da
última década. Resident Evil é envolvido
numa estrutura tão rigorosa, e com tanto afinco estético, que sua rigidez
converte-se justamente na sua maior força. É verdadeiramente prazeroso contemplar
as diferentes camadas de realidade criadas, bem como o espetáculo visual e cinético que é esse filme.
Curioso
que por baixo dos enérgicos movimentos de câmera, num ritmo elevadíssimo de
cortes (excepcionalmente bem alinhados pela montagem), Anderson consegue ainda
achar composições belíssimas. Sua execução é verdadeiramente meticulosa, assim
como o uso do CGI, elemento fundamental de seu cinema, e que domina melhor
que a maioria dos diretores que circulam por Hollywood atualmente. Resident Evil é um espetáculo neon
explosivo, um filme de ação incrivelmente coreografado (com todos excessos que o universo artificial permite) que incorpora o que há de melhor no cinema digital,
com seu visual anticéptico, plastificado, e cores marcantes, algo
semelhantemente reproduzido num dos sucessos mais inesperados desse ano: John Wick 2 (2017).
As minhas indagações no início desse texto são retóricas; eu sei os
porquês. Demorou um tempo para que eu me permitisse reconhecer com seriedade as
qualidades que me agradaram nesse filme, para ultrapassar aquela barreira do “é só divertimento”, classificação elitista que engessa a percepção
artística, mas que bizarramente se aplica a filmes como esse enquanto permite
que um Mad Max: Estrada da Fúria –
que na realidade é um resultado muito menos ousado e duradouro de uma intenção
semelhante – seja considerado obra-prima. E não é uma questão de dizer que o
filme não tem defeitos, ou que eles possam ser blindados por esse discurso antielitista,
que muitas vezes serve apenas para alimentar absurdos, como a interminável franquia Velozes e Furiosos, e eliminar o senso crítico, mas sim de dizer que há
uma proposta artística legítima por trás desses Resident Evil e que eles não deixam de fazer parte de um projeto
ambicioso (que navega sim por territórios ainda mal explorados na sétima arte)
e que, como toda novidade, requer alguns sacrifícios.
NOTA (4/5)
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