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The Post (Steven Spielberg, 2017)

GUILHERME W. MACHADO


Dentre tantas, uma das habilidades de Spielberg como contador de histórias deve ser reconhecida, poucos cineastas assumem projetos em princípio tão desinteressantes e fazem deles bons filmes. Não com a frequência que ele tem feito, ainda mais recentemente. Sério, alguém queria mais um filme sobre a liberdade da imprensa? Ou sobre o embate dessa com o governo Nixon? Não, mas Spielberg fez, e fez bem. Que venham Indiana Jones 5 e o remake de West Side Story!


Claro que sei que o momento político norte americano favorece um filme de imprensa x governo (todo mundo tá cansado de saber até). Mas as qualidades que carregam The Post, especialmente para um público não americano, pouco ou nada tem a ver com política, e sim com storytelling. Muito como aconteceu com outro longa seu recente, Ponte dos Espiões (2015), é um filme que carrega uma pieguice que, embora sempre presente na carreira de mais de 4 décadas do diretor, nunca foi tão evidente em seu cinema quanto agora, mas que a sustenta com anos e anos de experiência cinematográfica e alto refinamento narrativo, ao ponto de torna-la palatável – para os mais coniventes até cativante.
Em uma palavra: ritmo. Em The Post a história movimenta-se com tamanha dinâmica (tão bem cadenciada para sempre ser urgente, mas nunca sufocante) que acompanha-la com boa vontade e curiosidade é o mínimo que o espectador sente que deve fazer. Boa parte desse ritmo vem da ótima montagem, mas deve muito também ao método de direção de Spielberg – vale lembrar, mesmo que hoje já muito (mal) imitado, ele foi um dos pioneiros no estabelecer as regras para o mainstream hollywoodiano pós anos 70 –, com a câmera frequentemente em movimento, e todo seu notável arsenal de pans e travellings (habilidade sua que nem sempre recebe o devido crédito).

Se por um lado é óbvio o patriotismo, e mesmo um otimismo generalizado, na carreira de Spielberg, sendo esse filme nenhuma exceção, em The Post há um asterisco interessante. Se o discurso feminino, em particular, abraça todo esse otimismo (e nos tempos atuais não teria como, e nem deveria, ser diferente), com o político não é bem assim. Ok, a imprensa vence, há todos momentos emocionais esperados, as defesas constitucionais habituais, tudo... Mas, a gloriosa vitória é pouco comemorada antes que o filme acabe numa nota sombria, com o presidente Nixon (que aliás teve suas poucas aparições filmadas de forma brilhantemente evocativa) vetando permanentemente o acesso dos jornalistas do The Post à Casa Branca e, na cena seguinte, o filme encerra com o episódio que marcou o início do escândalo de Watergate, um dos mais graves da política americana. 

Enfim, enquanto souber converter seus maneirismos em estilização Spielberg ainda será um diretor interessante de acompanhar. Aqui muito mais Capra do que Ford, tanto para o bem, mas mais para o mal, ele indulge em alguns  momentos desnecessários. Veículo para os atores? Talvez, mas acho que não, os esforços de Spielberg pareceram muito mais direcionados na ambientação estilizada das tensões políticas e idealísticas. No fim, por baixo de algumas dramatizações ineptas e belas texturas visuais (Spielberg brincando com linhas e padrões visuais foi bem agradável de assistir), The Post é muito bom, mas não particularmente marcante.

NOTA (3/5)

Comentários

  1. Ainda to achando as críticas a The Post muito generosas. Acho que é por causa da indicação.

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    Respostas
    1. Olha Bruna, sempre achei que a indicação, se muito, mais aumenta as suspeitas sobre um filme (até pq dizer que o Oscar é um parâmetro duvidoso seria um eufemismo), mas realmente não é nenhum filmaço, então, como qualquer filme, vai agradar a alguns e a outros não. Duvido que gere reações extremas, tanto positivas quanto negativas, é muito neutro pra isso. Obrigado por aparecer!

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