Pular para o conteúdo principal

O Garoto (Charles Chaplin, 1921)



GUILHERME W. MACHADO

Durante a época do cinema mudo – época essa que anda chamando muito minha atenção nos últimos tempos e que desejo conhecer ainda mais a fundo – nenhum cineasta, por mais geniais que fossem Buster Keaton, D.W Griffith, F.W Murnau, etc, conseguia (e ainda consegue) nos emocionar tanto quanto Chaplin. Talvez isso se de pelo fato da grande maioria, para não dizer todas, histórias dele serem protagonizadas por pessoas imperfeitas que tentam fazer seu melhor em situações difíceis. O fator da identificação – mesmo que não diretamente com nossas vidas, mas com o que observamos – influência para que a história nos toque. Além, claro, da competência de Chaplin na dramatização, sem o uso de exageros melodramáticos.

O Garoto é o primeiro e um dos mais marcantes longa metragens do diretor britânico, que já era famoso por ter realizado uma grande quantidade de curtas. Recheado de gags hilárias, momentos emocionantes, e uma boa quantidade de críticas sociais, essa obra prima do cinema mudo segue imortal após seu aniversário já passado de 90 anos. Choca a imortalidade de alguns conceitos e imagens, levando em conta que hoje vemos filmes que, em sua grande maioria, serão esquecidos dentro de poucos meses. Creio que seja pela força de suas histórias e preceitos, e não pela sua inegável habilidade cômica, que Chaplin conseguiu ser um dos pouquíssimos grandes diretores a sobreviver à transição do cinema mudo para o falado, com o ótimo O Grande Ditador [1940] tendo posteriormente evoluído ainda mais para entregar uma sequência de trabalhos brilhantes de Monsier Verdoux [1947] a A Condessa de Hong Kong [1967], último filme de sua carreira.

Justiça seja feita, uma das coisas que mais encanta no filme é a performance do jovem Jackie Coogan. O garoto (com o perdão do trocadilho) tinha cerca de 7 anos, apenas, quando fez esse trabalho e conseguiu acompanhar com maestria o timing cômico e as gags de seu “mentor”. Como disse um crítico especializado em Chaplin, o britânico não apenas criou uma miniatura sua nesse filme, ele também retrata com o personagem do menino o seu próprio, sendo assim ambos personagens (o de Chaplin e o de Coogan) uma representação – em idades diferentes, claro – da mesma pessoa: seu criador.

A produção do filme, apesar de extremamente arrastada (mais de um ano de filmagens, uma quantidade absurda de tempo para a época), foi muito a frente do seu tempo. Com cenas, como a dos anjos, de rara ousadia num período tão conservador no modo de fazer cinema. A direção de Chaplin foi precisa ao dar o tom certo para cada cena, sem supervalorizar seu drama e nem suavizá-lo demais.
A qualidade cômica, como sempre, é tremenda. A caracterização do vagabundo, constante na carreira do diretor, e seu modo de andar, lutar e fugir já é engraçado por si só; Chaplin proporciona, entretanto, uma série de ótimos momentos cômicos envolvendo outras situações, principalmente o menino. As piadas, todavia, não são exageradas e tão constantes a ponto de tirar toda e qualquer seriedade da obra, por isso funcionam tão bem. Sua função, perfeitamente cumprida, é proporcionar divertimento ao espectador enquanto esse acompanha a história. O que seria o cinema, afinal, se não uma forma de lazer, dentre outras coisas?

NOTA (4.5/5.0)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Retrospectiva: 1977

GUILHERME W. MACHADO Percebi que 2017 já está quase acabando e tem vários grandes anos "aniversariantes" para os quais ainda não prestei homenagem. Entre eles, 1977. 77 foi ao mesmo tempo um ano de consolidação da maturidade de antigas lendas quanto do surgimento ainda cru de outras novas, o que se reflete de forma tão óbvia nessa seleção com jovens em ascensão como Lynch, Scorsese e Woody Allen intercalados com figurões consolidados como Buñuel, Resnais e Cassavetes. No meio destes há ainda grandes como Herzog (que certamente está na briga quando se fala no melhor cineasta daquela década) e Argento, ambos também em processo de amadurecimento.

Três Homens em Conflito (Sergio Leone, 1966)

GUILHERME W. MACHADO De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).