GUILHERME W. MACHADO
Decidi, contrariamente aos meus costumes, fazer uma crítica conjunta para essas duas notáveis obras do mestre japonês Kaneto Shindô. A verdade é que não o faço somente pelo fato de serem ambos os filmes do mesmo diretor, mas sim pela forma como as obras dialogam, não apenas de estilo, mas também em enredo. A meu ver, Kuroneko seria um aperfeiçoamento, em múltiplos aspectos que serão esclarecidos futuramente neste texto, dos princípios já presentes em Onibaba – A Mulher Demônio, que, além de seus méritos consideráveis, tem também o da originalidade.
Primeiramente quero apresentar algumas semelhanças entre as obras. Ambas são formadas por um triângulo principal de personagens envolvendo uma mãe, a nora e um homem interessado na nora. As duas mulheres principais matam samurais nos dois filmes, mudando apenas o motivo pelo qual o fazem. Nos dois está presente um conflito entre prazer x castigo/religiosidade, sendo que este sempre envolve a nora e seu amante. Em ambos filmes o núcleo da história se passa em locações remotas e isoladas. As duas histórias tem como pano de fundo a guerra civil japonesa. Isso tudo fora as semelhanças evidentes que são: mesmo diretor, gênero, atriz principal e alguns outros atores que também estão presentes nos dois filmes.
O que me leva aos finais. Por mais que os resultados das obras sejam semelhantes, com ambos filmes explorando uma sensação melancólica e abrupta sobre seus desfechos, eles significam coisas diferentes para suas obras. Onibaba, como já fora dito, é um filme absolutamente dependente do seu terceiro ato, é o que o significa e o que faz com que o filme fique marcado na cabeça do espectador por horas a fio, tamanho seu poder. Já Kuroneko, embora também muito bem acabado (com, inclusive, impacto semelhante), é menos dependente do quanto seu desfecho atingirá o espectador, pois todo desenrolar do filme, diferentemente do predecessor, não é construído como apenas uma ponte para o final, e sim como um caminho no qual a estrada é tão envolvente e interessante quanto o destino final.
Vimos que ambos filmes partem, essencialmente, de um ponto semelhante, divergem em abordagem e estilo no meio, e chegam a uma conclusão parecida. No fim, a combinação dos filmes não deixa de passar a impressão de uma espécie de estudo de Shindô sobre o gênero. Ele pegou dois plots quase idênticos e os trabalhou através de uma dualidade muito frequente: sobrenatural vs psicológico. A diferença é que, ao invés dessa dualidade existir num único filme – que seria o mais comum, filmes como O Iluminado e O Bebê de Rosemary, dentre tantos outros, o fazem – ele a separou em dois filmes e exerceu cada um dos lados em sua forma plena, extraindo tudo que podia dos mesmos. Cinema de primeira.
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