GUILHERME W. MACHADO
John Carpenter sempre foi um cineasta com a notória habilidade de criar um mundo paralelo completamente absurdo e fazê-lo de forma perfeitamente natural e crível para quem assiste seus filmes. A meticulosa cadência com a qual desenvolve seus universos e a sua facilidade de expor as regras particulares deste sem tornar-se meramente didático fazem de Carpenter um dos maiores manipuladores da história do cinema – e não, não faço essa afirmação na empolgação, a apoiarei sempre que me for solicitado. Dentre todos seus talentos, que são bastante consideráveis, esse é, para mim, um dos que mais merecem destaque, se não for seu principal.
O controle de Carpenter sobre sua obra é total, indo desde a produção protagonizada por sua parceira de longa data Debra Hill, envolvendo evidentemente a direção e o roteiro, e indo até setores técnicos como a excelente trilha sonora, mais uma vez composta por ele (um de seus talentos subestimados). Dessa forma, o diretor não deixa nada ao acaso, empregando seu gigantesco talento narrativo para criar uma rocambolesca trama de ação/ficção através da qual ele constrói o discurso político que acompanha boa parte de sua carreira. Na superfície, Fuga de Nova York é apenas sobre a sua ação – e é inegável o quanto ela é um elemento importante do filme –, mas na essência o filme é uma grande crítica de Carpenter ao autoritarismo do Estado. As veias anárquicas do diretor, que chamaram tanta atenção no clássico pulp Eles Vivem [1988], encontram forte referência nessa obra, 7 anos anterior.
Todo trabalho visual e atmosférico do filme é excelente e vital para o envolvimento do público, que é bastante grande. A criação de uma Manhattan marginalizada e com tons até apocalípticos foi perfeita e compôs o cenário ideal para os níveis de suspense e ação impostos no decorrer da trama. Dean Cundey (que também fez os três primeiros filmes da franquia Halloween e todos De Volta para o Futuro) certamente foi um dos grandes diretores de fotografia da época, tendo nesse filme alcançado o seu ápice estético. Fuga de Nova York é deslumbrante, um espetáculo visual de primeira e de por inveja hoje, na época do CGI.
Por mais que a contemporaneidade cada vez mais queira desconsiderá-lo, o divertimento pode sim ser um fator muito importante no cinema (o que nunca deve ser desculpa para fazer um filme porco e querer validá-lo por ser "puro entretenimento"), e ele era uma constante na produção mainstream dos anos 80, basta lembrar de filmes como Curtindo a Vida Adoidado [1985], Exterminador do Futuro [1984] e E.T [1982], por exemplo. Fuga de Nova York é divertimento constante, de lembrar os bons tempos de Hawks e Tourneur – dois diretores que frequentemente usados para falar de Carpenter –, é o cinema americano na sua essência, e isso de forma alguma é um argumento pejorativo.
Fuga de Nova York é um dos marcos dos filmes de ação/ficção dos anos 80 e uma das maiores obras do seu diretor, John Carpenter, reunindo muitas das qualidades presentes no seu cinema – inegavelmente autoral, ainda que muito questionado por público e crítica – e oferecendo ainda uma visão crítica sobre a política norte-americana da época, mas que ainda configura um retrato teórico pertinente a nossa realidade. Um filme que aprecio mais a cada revisão.
NOTA (4.5/5.0)
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