GUILHERME W. MACHADO
“Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará. ” (Gênesis 3:19)
Interestelar,
à primeira vista, é surpreendente vindo de Nolan. Um dos atuais porta-bandeiras do dito “cinema
comercial” – tipo de filme que acabou ganhando conotação negativa com o passar
dos anos, mas que não necessariamente significa de má qualidade – se dedica a
um projeto com ares mais autorais. Por outro lado, ao se olhar para o filme
com mais atenção, percebe-se Nolan em toda extensão da obra. É um projeto ambicioso, de fato, mas não seriam também: Amnésia, pela inversão narrativa que propõe; A Origem pela complexidade de sua trama
e a grandiosidade que almeja; e a Trilogia
Batman, pela reinvenção de um ícone há décadas enraizado na cultura
popular? Nolan sempre vestiu a máscara do “cinema comercial”
enquanto buscava algo além do puro entretenimento. Ou pelo menos é nisso que acreditam seus seguidores mais fervorosos.
Interestelar faz uso de teorias científicas reais – aqui Nolan
se complica, expondo sua obra aos observadores de plantão que dissecarão o
filme em busca de erros científicos, que certamente existirão – para contar a história de um grupo de
cientistas/pilotos que, em meio a um futuro distópico no qual a Terra não é
mais um habitat aceitável para a raça humana, parte em uma viajem interestelar
em busca de um novo planeta para a humanidade. Basicamente é isso, um enredo simples, mas os
irmãos Nolan (Christopher e Jonathan, que é roteirista), ao invés de retirarem dessa simplicidade a força essencial da obra, o embrulham com megalomanias reflexivas, que em geral mais prejudicam a trama do que a ela acrescentam, numa
tentativa – esclarecida pelo próprio diretor/roteirista – de homenagear seu
filme favorito: 2001: Uma Odisseia no
Espaço.
Por outro lado, os pontos positivos
do roteiro falam bem alto. Gostei especialmente do futuro apocalíptico proposto
pelos irmãos Nolan: a Terra sendo coberta pelo pó, esgotando seus recursos
naturais de tal forma que há um retrocesso da civilização, agora não são mais
necessários engenheiros ou cientistas, mas sim fazendeiros. O avanço
tecnológico e científico, no filme de Nolan, não levou a Terra à um apocalipse
nuclear, sombrio ou caótico (como são retratados em 90% dos filmes), mas sim à
um colapso, levando o mundo a retroceder no tempo, voltando ao trabalho braçal
e à luta pela sobrevivência.
Nolan aproveitou o potencial
contemplativo da obra e criou belos momentos, acompanhados da ótima trilha
sonora de Hans Zimmer – que há tempos estava na mesmice, mas voltou a se
destacar nesse filme. A montagem, ainda que tenha sido mais lenta que o padrão,
seguiu o estilo do diretor, intercalando cenas numa tensão crescente. Todo
trabalho visual, como se esperava, foi de alto nível, com uma bela direção de
arte e uma ainda melhor fotografia, que alterna entre um estilo sombrio e seco nas cenas passadas na Terra, e um visual mais deslumbrante para
as cenas passadas no espaço ou nos outros planetas.
No fim das contas fica bem difícil
avaliar Interestelar, pois é um filme
que equilibra pontos positivos frescos no gênero com outros bem negativos. Fato é que Nolan não se comprometeu 100% à sua nova proposta e criou uma espécie de Frankenstein cinematográfico: um filme que tenta apelar às massas, mas não traz a pureza satisfatória dos melhores blockbusters, com uma roupagem mais intelectualizada, mas que já vem toda mastigada e não abandona o conforto dos clichês e maneirismos de um cinema massivo.
OBS:
Matthew McConaughey será um dos grandes injustiçados do ano. Grande atuação.
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