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Interestelar (Christopher Nolan, 2014)


GUILHERME W. MACHADO

Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará. ” (Gênesis 3:19)

Interestelar, à primeira vista, é surpreendente vindo de Nolan. Um dos atuais porta-bandeiras do dito “cinema comercial” – tipo de filme que acabou ganhando conotação negativa com o passar dos anos, mas que não necessariamente significa de má qualidade – se dedica a um projeto com ares mais autorais. Por outro lado, ao se olhar para o filme com mais atenção, percebe-se Nolan em toda extensão da obra. É um projeto ambicioso, de fato, mas não seriam também: Amnésia, pela inversão narrativa que propõe; A Origem pela complexidade de sua trama e a grandiosidade que almeja; e a Trilogia Batman, pela reinvenção de um ícone há décadas enraizado na cultura popular? Nolan sempre vestiu a máscara do “cinema comercial” enquanto buscava algo além do puro entretenimento. Ou pelo menos é nisso que acreditam seus seguidores mais fervorosos.
Interestelar faz uso de teorias científicas reais – aqui Nolan se complica, expondo sua obra aos observadores de plantão que dissecarão o filme em busca de erros científicos, que certamente existirão – para contar a história de um grupo de cientistas/pilotos que, em meio a um futuro distópico no qual a Terra não é mais um habitat aceitável para a raça humana, parte em uma viajem interestelar em busca de um novo planeta para a humanidade. Basicamente é isso, um enredo simples, mas os irmãos Nolan (Christopher e Jonathan, que é roteirista), ao invés de retirarem dessa simplicidade a força essencial da obra, o embrulham com megalomanias reflexivas, que em geral mais prejudicam a trama do que a ela acrescentam, numa tentativa – esclarecida pelo próprio diretor/roteirista – de homenagear seu filme favorito: 2001: Uma Odisseia no Espaço.

A meu ver, o roteiro foi o ponto decisivo da ambiguidade com a qual o filme será recebido – entre ótimos elogios e severas críticas. Ao mesmo tempo em que apresenta uma história interessante e com vários pontos positivos, perde-se em alguns momentos em tentativas de explicações racionais para eventos praticamente inexplicáveis e confusos, principalmente no último (e pior) ato do filme, de tal forma que não foi “digerível” pelo espectador.

Por outro lado, os pontos positivos do roteiro falam bem alto. Gostei especialmente do futuro apocalíptico proposto pelos irmãos Nolan: a Terra sendo coberta pelo pó, esgotando seus recursos naturais de tal forma que há um retrocesso da civilização, agora não são mais necessários engenheiros ou cientistas, mas sim fazendeiros. O avanço tecnológico e científico, no filme de Nolan, não levou a Terra à um apocalipse nuclear, sombrio ou caótico (como são retratados em 90% dos filmes), mas sim à um colapso, levando o mundo a retroceder no tempo, voltando ao trabalho braçal e à luta pela sobrevivência.

Nolan aproveitou o potencial contemplativo da obra e criou belos momentos, acompanhados da ótima trilha sonora de Hans Zimmer – que há tempos estava na mesmice, mas voltou a se destacar nesse filme. A montagem, ainda que tenha sido mais lenta que o padrão, seguiu o estilo do diretor, intercalando cenas numa tensão crescente. Todo trabalho visual, como se esperava, foi de alto nível, com uma bela direção de arte e uma ainda melhor fotografia, que alterna entre um estilo sombrio e seco nas cenas passadas na Terra, e um visual mais deslumbrante para as cenas passadas no espaço ou nos outros planetas.

No fim das contas fica bem difícil avaliar Interestelar, pois é um filme que equilibra pontos positivos frescos no gênero com outros bem negativos.  Fato é que Nolan não se comprometeu 100% à sua nova proposta e criou uma espécie de Frankenstein cinematográfico: um filme que tenta apelar às massas, mas não traz a pureza satisfatória dos melhores blockbusters, com uma roupagem mais intelectualizada, mas que já vem toda mastigada e não abandona o conforto dos clichês e maneirismos de um cinema massivo. 
OBS: Matthew McConaughey será um dos grandes injustiçados do ano. Grande atuação.


NOTA (3/5)

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