GUILHERME W. MACHADO
Os irmãos Dardenne adentram ainda
mais a estrutura narrativa do neo-realismo italiano, como é conhecido, mantendo ainda semelhanças
com sua premiada obra anterior: O Garoto da Bicicleta (2011). Ambos filmes contam histórias de pessoas
simples, classe-média baixa e habitantes de pequenas cidades, em situações
realistas (passadas num espaço relativamente curto de tempo) e que suscitam
questões morais rotineiras – mas não por isso menos profundas. O formato
estético e narrativo também é semelhante, ainda que, a meu ver, o filme
anterior demonstrasse um trabalho mais maduro nesse aspecto, enquanto essa obra
levanta questionamentos mais interessantes, possuindo um roteiro mais
envolvente e melhor estruturado.
Dois
Dias, Uma Noite chama atenção desde cedo pela forma como é filmado e
montado. Os Dardenne filmam de forma a dar o máximo de continuidade possível, com
longos planos que buscam acentuar o naturalismo das cenas. Essa árdua tarefa é
bem executada; ela torna, entretanto, a obra de difícil acesso, devido ao ritmo
narrativo lento decorrente de tais escolhas. A montagem também contribui para
essa proposta: todos cortes são secos e objetivos, não havendo efeitos de
transição (como fusões).
O enredo gira em torno de Sandra
(Marion Cotillard), personagem presente em quase todos frames do filme, uma
mulher que logo após se recuperar – de forma evidentemente incompleta – de uma
crise de depressão, descobre que será demitida para que seus colegas de
trabalho recebam um bônus. Ela tem, então, um final de semana para conversar
individualmente com cada um e pedi-los para que abram mão de seus bônus, fazendo com que
ela mantenha seu emprego. A decisão será tomada através de uma votação entre
seus 16 colegas na segunda-feira.
O dilema moral é magnificamente bem
explorado pelos irmãos Dardenne; um verdadeiro trunfo. A situação é apresentada
de forma tão minimalista e real que é fácil para o espectador se colocar nos
dois lados da questão e enxergar seus pontos de vista, ainda que esse
evidentemente torça pelo sucesso da protagonista. A serenidade com a qual tudo
é abordado é impressionante, isso sem causar qualquer distanciamento do
espectador com o objetivo de Sandra, pelo contrário, há um envolvimento
crescente com a história conforme ela avança. De quebra, os Dardenne ainda
apresentam um retrato das classes europeias afetadas pela crise, mostrando-as
da forma mais humana e real possível e fazendo-nos compreender sua forma de
agir.
Claro que tudo isso não poderia ter
sido passado da forma que foi sem a grandiosa atuação de Cotillard. A atriz
está aqui num de seus melhores momentos, dando um show numa personagem difícil
e muito sutil. Suas variações de humor, constantes ao longo do filme, são
interpretadas de forma extremamente natural e comovente, sem nunca recorrer à
exageros. A atriz consegue se destacar (e muito) mesmo com a forma de filmar
dos Dardenne: praticamente sem closes ou takes que a ponham em maior evidência.
Enfim, Dois Dias, Uma Noite é um filme muito humano, acima de tudo. Sua
história é incrivelmente bem construída, sempre muito real (e por isso, às vezes
dura), sendo gratificante acompanhar a curta, porém intensa, trajetória da
protagonista e sua evidente evolução. Uma obra de cineastas seguros do que têm
a oferecer.
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