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Birdman OU A Inesperada Virtude da Ignorância (Alejandro González Iñarritu, 2014)

GUILHERME W. MACHADO

Há quase 7 décadas, um cineasta de ampla ambição e enorme ego adotou a controversa ideia de realizar um filme sem cortes, ou que parecesse como tal (uma vez que tal ato não era possível por causa do tamanho dos rolos de filme). Hitchcock podia até ser um diretor megalomaníaco, mas fato é que seu Festim Diabólico (1948) acabou se tornando uma obra-prima ímpar na história do cinema. Se Birdman terá essa longevidade, ainda não posso afirmar, mas sua relação com o filme anteriormente citado é inevitável – e sei que não sou o primeiro e nem serei o último a fazê-la. Iñarritu, como Hitchcock, é um cineasta egocêntrico e que busca a grandiosidade e o reconhecimento em todos os momentos. Com Birdman ele entrega uma obra à nível de suas pretensões.


Birdman é um filme insano, surtado, que flui num ritmo frenético e completamente imersivo. Independentemente de toda qualidade de seu conteúdo, a nova obra de Iñarritu é, acima de tudo, uma intensamente compassada experiência cinematográfica. Como o próprio diretor afirmou numa entrevista, Birdman é um filme regido pelo ritmo, pela batida de sua alucinante trilha sonora, uma espécie de filme-jazz – numa forma de amplificação conceitual do já bem sucedido Whiplash. Méritos devem ser dados à direção de Iñarritu, que mesmo com um pouco de imaturidade no seu radicalismo exibicionista, foi capaz de levar até o fim a difícil proposta e ainda sair com um resultado bastante cativante.

Às vezes é muito divertido ver um filme no qual o diretor e o elenco apostam tão convictamente no “overacting” (atuação baseada no excesso expressivo), principalmente quando convém com a dramaturgia do material. Todos eles mergulham de cabeça no conceito e combinam-se muito bem em cena, sendo possível que haja duas ou mais grandes performances dividindo a tela sem que uma ou outra seja ofuscada. Feito que reflete também nas escolhas feitas pela direção, que muda constantemente o foco e valoriza devidamente o potencial de todo seu elenco. Keaton pode estar sendo o mais elogiado, e realmente sua atuação foi ótima; é justo, entretanto, que igual ou maior mérito seja dado a Norton e a Stone – mesmo com pouco tempo na tela – que foi quem melhor manejou os excessos, sem nunca abandoná-los, conseguindo ainda destacar-se muito. Naomi Watts (excepcional atriz), por sua vez, trabalha muito, mas recebe pouco destaque, ainda que seu papel seja um dos mais interessantes do filme (a meu ver, um potencial pouco explorado por Iñarritu).
A história de Birdman é um grande e generalizado ataque à indústria cinematográfica, e até à teatral. É aqui, todavia, onde o filme encontra a maioria de suas irregularidades. Em meio a sua crítica voraz, Iñarritu esquece que ele mesmo é um produto daquilo que retrata e se mantém atirando pedras de cima de um pedestal, ao invés de ter o bom espírito de descer e se sujar também na lama. A corrosividade do material seria muito mais eficiente se atingisse também o próprio filme. É o favorito ao prêmio de Melhor Roteiro Original do Oscar de 2015, mas tenho minhas dúvidas se a academia premiaria mesmo um roteiro tão crítico à própria ideologia da premiação.

Semelhante na intenção com o excelente Acima das Nuvens (Olivier Assayas, 2014), Birdman explora a metalinguagem nas suas mais profundas atmosferas, não apenas internas no filme, como também externas em relação à vida de seus atores e até de seu diretor. A relação óbvia entre Michael Keaton e seu personagem foi o motivo pelo qual ele conseguiu o papel em primeiro lugar – e que bela escolha de Iñarritu ao escalá-lo, semelhante ao que Assayas fez ao escalar Kristen Stewart para o seu Acima das Nuvens. Edward Norton é outro ator que coube perfeitamente no seu personagem, que é uma versão exagerada dele mesmo, conhecido por ser um ator difícil de trabalhar. Até mesmo o próprio Iñarritu se vê refletido no filme, no que trata do egocentrismo e na busca desesperada por reconhecimento.
Numa das mais interessantes cenas do filme, Riggan Thompson (Michael Keaton) discute com Tabitha (Lindsay Duncan), a principal crítica teatral da Broadway, e ele diz algo como “você apenas rotula a arte” (não me recordo das exatas palavras, mas esse era o significado). Realmente, Birdman é um filme que, muito pela sua própria excentricidade, busca sempre fugir dos rótulos, mesmo que ao fazendo isso caia em outros, mas não deixa de ser um filme com bom valor de entretenimento e qualidades cinematográficas interessantes.


NOTA (3.5/5.0)

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