MATHEUS R.B. HENTSCHKE
Frequentemente se vê nos noticiários inúmeros casos de violência contra às mulheres. Esse número é tão espantoso que, em pesquisa realizada recentemente, 3 em cada 5 mulheres jovens disseram já ter sofrido algum tipo de violência. Contudo, a dúvida que perpassa a cabeça de quem ouve tais atrocidades ocorrerem é: “Por que essas mulheres, muitas vezes, não tomam uma atitude? Não se separam de seus maridos abusivos? Não denunciam tais agressores?” Nesse sentido, o mais novo trabalho do diretor Tim Burton (Ed Wood), Grandes Olhos, consegue trazer à tona tal debate, em uma obra que se diferencia muito do teor de seus filmes anteriores.
Baseado
em fatos reais, Grandes Olhos retrata a vida de Margaret Keane (Amy Adams),
pintora de quadros com meninas de olhos propositalmente desproporcionais, que
começa a obter um gigantesco sucesso devido ao seu trabalho. No entanto, de
forma passiva, vê seu marido Walter Keane (Christoph Waltz) se apropriar da
autoria de tais obras e ganhar os créditos por elas. Com certeza, um dos
grandes acertos do roteiro da película, que faz de Grandes Olhos possuir uma camada
psicológica, é o de apresentar uma personagem feminina bem desenvolvida que,
inicialmente, não é coagida fisicamente por seu marido a ceder aos seus mandos,
mas sim numa construção psicologicamente complexa, Margaret Keane se faz uma
pessoa incapaz de reagir, que como se estivesse em um estado vegetativo, não
consegue se desvencilhar e romper a abusiva relação com seu marido, acabando
por acatar a todos os seus pedidos que, paulatinamente, a diminui, a apequena.
Walter
Keane, por sua vez, possui a habilidade de gerar em Margaret medo aliada a uma
paradoxal sensação de empatia, como descrito na cena do tribunal em que Walter
Keane em tom irônico se descreve como um “bon vivant” e, ao mesmo tempo, um
selvagem para Margaret. Esse maléfico dom de Walter o faz capaz de prender e
imobilizar sua mulher sem se utilizar de força física, em um primeiro momento,
uma vez que ela já não poderia reagir por estar completamente envolvida nessa
redoma de insegurança construída por seu marido.
Essa
dinâmica do roteiro funciona; entretanto, apesar de haver essa sólida
construção dos personagens, dois fatores impedem Grandes Olhos de se destacar:
um roteiro insípido e, infelizmente, Christoph Waltz. O roteiro até consegue
desenvolver seus personagens, entretanto acaba por ser demasiadamente
comercial, com soluções rápidas e com ausência de uma valorização maior de
diálogos mais profundos. Talvez a explicação de tamanha sensação, de embutir em
um filme com potencial para ser diferenciado a comercialidade para o grande
público, esteja em uma possível política da Weinstein Company que na
possível pretensão de ter seus filmes "Oscarizados" acaba por adotar
tal prática, vista não só em Grandes Olhos, mas também em O Jogo da Imitação,
que pertence a produtora também. Ambos, filmes com grande potencial, todavia
que ficam em uma excessiva linearidade semelhante. Quanto ao outro agravante, é
lastimável taxar Christoph Waltz como forçado e, por vezes ultrapassando a
fronteira do popular termo: da canastrice. Contudo, o ator não permite margem
para qualquer outro tipo de interpretação acerca de sua atuação, com um
personagem caricato e que quase chega a prejudicar a sua parceira de cena e a
verdadeira estrela do filme: Amy Adams.
Se muitos
julgavam injusta a não indicação ao Oscar de Rene Russo, por Abutre, na
categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, que atuou de maneira esquecível, agora
sim há um real motivo para reclamações. Amy Adams, a grande injustiçada ao não
receber uma indicação como Melhor Atriz. Sua personagem, Margaret Keane tem
profundidade, camadas e passa por um notório processo de evolução durante a
película. Um dos poucos fatores que tiram Grandes Olhos do trivial é a sua
atuação, que ilustra com maestria a passagem de uma mulher incapaz de contra
atacar às investidas do marido, mas que com o tempo, com a maturidade e com os
longos anos de gradativa opressão consegue se reerguer, com o auxílio de
pessoas e da religião e alçar um voo de liberdade nunca antes conquistado.
Para
auxiliar essa grande atuação, Tim Burton desaparece e renasce. Desaparece com
seu estilo carregado e cheio de maneirismos dos últimos tempos e renasce com
uma direção diferente de seu natural que consegue fazer de um roteiro
simplório, um filme visualmente lindo e que valoriza seus personagens, ainda
que Christoph Waltz não tenha aproveitado a chance. Aliado a essa direção, a
fotografia de Bruno Delbonnel é fantástica, com seus tons claros e sempre
valorizando o azul, fazendo uma constante relação entre os olhos azuis de
Margaret Keane e suas emoções no momento da cena. Quando a personagem goza de
seus momentos de deslumbramento com o marido, os tons de azul aparecem claros,
vívidos, enquanto quando Walter, transtornado pela bebida e pelas suas
frustrações pessoais, tenta atacar Margaret e sua filha, os tons de azul se
transformam em um tom sensivelmente mais escuro e tremulante.
Em suma,
Grandes Olhos tem em todos os seus componentes atuantes a tentativa de fazer
funcionar, de dar certo. Tim Burton e Amy Adams conseguem acertar o tom.
Christoph Waltz e o roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski não. Ainda
assim, a película consegue atingir um patamar razoável, trazendo à tona um
tema, infelizmente, sempre em voga: a violência contra as mulheres. Além disso,
Amy Adams consegue trazer a vida uma personagem metaforicamente genial: assim
como uma obra de arte pode ser interpretada de inúmeras maneiras, as obras de
Margaret Keane podem ser vistas como uma alegoria de diferentes fases de sua
vida, em que primeiro a criança e os grandes olhos apresentam sua versão
assustada, incapaz de reagir, pequena e chocada perante os seus percalços da
vida, mas que, com sua gradativa evolução, consegue se desvencilhar de suas
amarras e aquela menina com grandes olhos nada mais é do que a metáfora de um
mulher que, como uma menina, ganha sua liberdade, nascendo de novo com grandes
olhos para com as novidades do porvir.
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