GUILHERME W. MACHADO
A imagem e seu infinito poder contemplativo.
A consolidação de uma imagem, de um símbolo, na eternidade, através da morte,
ou da arte. A juventude eterna, beleza eterna. Fedora é uma mulher que vive da
imagem, e para ela.
Billy Wilder, um dos diretores
mais geniais que já vi, dá, com Fedora, um de seus últimos suspiros como o grande artista que foi. A reciclagem de um argumento
presente no seu clássico Crepúsculo dos
Deuses [1950], ainda que atrelado indissociavelmente da indústria
cinematográfica, deu a Wilder o material para a última – dentre tantas – de suas obras primas. Fedora é um filme sobre a
passagem do tempo, sobre a recusa do envelhecimento numa busca pela beleza
eterna, o Dorian Gray dos anos 70.
A potência da história de Wilder
reside paradoxalmente na simplicidade (objetividade) de sua reflexão e na
profundidade com a qual ela é trabalhada, através dos adornos que lhe são conferidos.
Junto de seu co-roteirista de longa data I.A.L Diamond, Wilder cria uma história tão poderosa
e profunda da qual consegue extrair qualquer coisa que precise
para sua narrativa: drama, suspense, humor negro, metalinguagem, etc. Fedora adentra intensamente, como
nenhum outro filme, na vaidade humana e na busca pelo que Canevacci chamaria de
“juventude eterna” – ainda que na obra do teórico italiano ele se referisse a um
estado de espírito, enquanto aqui a juventude é física e se demonstra através
da imagem.
Toda concepção narrativa do filme
é primorosa, mantendo o refinamento peculiar de Wilder e construindo uma
irresistível atmosfera de mistério. Os fatos são revelados aos poucos enquanto
somos sugados pela intrigante história de Fedora. O mistério, perfeitamente
estabelecido, ocupa a cabeça do curioso espectador por mais da metade do filme
quando, através de uma cartada brilhante e ousada de Wilder, a trama se desfaz,
esfarela-se. Começa, então, uma segunda parte do filme, na qual pouco a pouco a
nebulosidade que permeava toda primeira etapa vai se desfazendo e os conceitos
vão se invertendo, conferindo ao espectador uma concepção totalmente nova sobre
os eventos decorridos. Billy Wilder e I.A.L Diamond não deixaram nada ao acaso,
nenhuma ponta solta, costurando tudo num de seus melhores roteiros (e olha que
o currículo de ambos é vasto). Incisivo no argumento e envolvente na narrativa.
Wilder carrega consigo todo
refinamento de uma era de cineastas já extinta em meados dos anos 70, quando o
filme foi feito, fazendo de Fedora
uma peça de museu, um filme glamoroso fora de seu tempo. De qualquer forma, o
filme é tão contundente e bem construído que tem uma validade atemporal; ele
ganha, inclusive, ainda mais sentido – perdendo até um pouco daquele feeling de
“história inverossímil” que tinha no seu lançamento – nos tempos atuais, nos
quais a busca pelo rejuvenescimento chegou ao seu ápice, com as milhares de
plásticas e técnicas disponíveis. O culto pelo belo e pelo novo nunca esteve
tão forte quanto hoje, assim como o está Fedora.
O estilo dos quadros e a
“economia” de câmera de Wilder – que nunca foi adepto de muito malabarismo –
criam uma atmosfera difícil de descrever. A personagem de Fedora,
principalmente na primeira metade do filme, é filmada como se fosse um
fantasma, uma aparição (mas não no sentido dos filmes de terror). Como se ela
não andasse, mas pairasse sem que seus pés tocassem o chão, assemelhando-se com
o que Hitchcock fez em Rebecca [1940]
com a personagem de Sra. Danvers, com a diferença de que Hitchcock o fez para
conseguir um efeito sinistro sobre sua personagem – objetivo no qual obteve
imenso sucesso, diga-se de passagem –, enquanto Wilder buscou conferir
graciosidade à sua. É quase como se Fedora, sempre que aparecesse em cena,
estivesse envolta numa névoa tênue. Como eu disse, é difícil associar palavras
a sensações e o cinema é uma arte de sensações.
À parte de toda sua genialidade, Fedora é ainda uma grande ironia de
Wilder sobre os rumos tomados pela indústria cinematográfica (Hollywood, no
caso) naquele momento. Uma denúncia às futilidades e hipocrisias. Além disso,
entretanto, Fedora é um rico jogo de
metalinguagem, no qual Wilder não brinca apenas com atores que se
autointerpretam (Michael York e Henry Fonda, por exemplo), mas inclusive com
obras clássicas da literatura, como Anna Karenina, de Liev Tolstói, que não
consta no filme apenas como uma mera referência intelectual.
Billy Wilder, como o imenso
cineasta que foi, soube renovar temas recorrentes da sua carreira e deles tirar
algo novo e igualmente potente. Fedora
não é apenas um filme, mas a imortalização de um ícone, um símbolo. Tanto da
personagem título quanto do próprio Wilder.
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