GUILHERME W. MACHADO
Spielberg expande-se dentro de sua zona de conforto e
volta – ainda que timidamente – às suas origens: o suspense. A ficção e o
estilo blockbuster-de-luxo, tão firmemente adquiridos ao longo de anos de
sucesso, não deixam de constar; eles misturam-se, entretanto, ao Spielberg mais
visceral dos seus primeiros anos, quando realizou obras como Encurralado [1971] e Tubarão [1975]. Como resultado surge um
filme que dialoga com essas duas épocas tão distintas da carreira desse grande
cineasta e que propõe, ainda, uma questão bastante rica: pode-se condenar
alguém por um crime que ainda não cometeu, mas cometerá?
Por mais que seja essa a interessante premissa de Minority
Report, o filme se desdobra noutros mistérios e belas sequências de
ação e suspense que acabam não aproveitando ao máximo o potencial reflexivo da
obra. Talvez o fator determinante para o receio com que foi recebido Minority
Report – possivelmente o último grande filme de Spielberg até então,
mas raramente visto dessa maneira – tenha sido justamente a superficialidade
com que o diretor tratou algumas questões mais profundas, e até polêmicas, de
seu filme, privilegiando a ação sobre a reflexão. De qualquer forma, acho
difícil dizer que Spielberg não entregou um bom produto final.
O filme pode não ter a mesma tensão de Jurassic Park, a emoção de E.T
ou a adrenalina – e, por que não, a comicidade – dos Indiana Jones; ele é,
entretanto, um filme mais equilibrado que junta alguns pontos fortes dessas
obras (e de outras do diretor que não me dei o trabalho de citar), ainda que em
menor escala, e os resume num todo bastante sólido, que, a meu ver, figura entre os filmes mais subestimados do diretor.
Minority Report tem o mérito indiscutível de manter a atenção (assim
como a tensão) do espectador, alimentando sua curiosidade com uma intrigante
trama dividida numa série de subtramas e elementos que futuramente encontram-se.
São criados vários mistérios a serem homeopaticamente resolvidos durante o
filme, desencadeando uma inteligente história de corrupção e paranoia. Spielberg
acha em Tom Cruise – grande ator em
ótima fase na época – um protagonista envolvente e bem trabalhado. Devem ser
creditados, também, os méritos do roteiro na construção psicológica desse
personagem, que vai bem além do padrão blockbuster.
A parte técnica foi bem trabalhada sem deixar o filme
tão perfeitinho. O aspecto mais visceral coube bem à proposta e combinou com o
futuro distópico (ainda que não o pareça no princípio) criado. Aliás, esse é
outro ponto interessante: o futuro. Tal período geralmente é retratado de forma
exageradamente maneirista nos filmes, seja por tecnologia e visuais excessivos
ou, no caso dos mais apocalípticos, extremamente cinzento e arruinado. Spielberg
traz, aqui, um futuro mais aceitável sem abrir mão das possibilidades cenográficas
propostas pelo mesmo. Minority Report, na verdade, se aproveita
muito bem de tais recursos tecnológicos para sua trama, como o scanner de
retina e os computadores holográficos (hoje nada surpreendentes, mas improváveis,
para dizer o mínimo, 13 anos atrás).
No fim das contas, Minority
Report propõe sim um questionamento intrigante – fator que muitos filmes menores
creem ser suficiente para fazer valer a sessão –, porém é na sua qualidade
narrativa, no envolvente desenvolvimento de sua trama, que o filme cresce.
Spielberg infelizmente escanteou alguns potenciais
oferecidos pelo material, mas conseguiu fazer valer da sua experiência e
qualidade para entregar um filme de ficção muito acima da média. Mesmo com o irregular contraste entre as falhas e qualidades, Minority Report é um dos meus filmes preferidos do diretor.
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