GUILHERME W. MACHADO
Deve ser complicado, artisticamente falando, para
alguns diretores ter sua personalidade tão em evidência. Chega um ponto em que
seus filmes são julgados – pelo menos no nível popular, mas muitas vezes pela
própria crítica – pela sua persona pública. Woody Allen sofre disso mais do que
qualquer outro, Clint Eastwood experimentou a sensação com Sniper Americano [2014], Lars Von Trier busca se beneficiar disso e
acaba transformando-se num bobo da corte, e M. Night Shyamalan sofre por dois
extremos: o daqueles que têm alta expectativa de ver outro Sexto Sentido [1999] – filme endeusado desproporcionalmente –, ou o
daqueles que acham que o diretor apenas fará filmes como O Último Mestre do Ar [2010].
Para os céticos, afirmo desde já: A Visita é um ótimo filme, mesmo, mas – e isso digo para os fanboys
– deve ser visto sobre outra ótica daquela de seus filmes mais famosos. Sei que
isso parece desculpa de quem tenta ajudar o filme, mas não é essa minha
intenção, como buscarei exemplificar ao longo do texto da melhor forma que
posso sem spoilers (leia tranquilo)
Difícil não começar falando, uma vez que o próprio
filme já começa desta maneira, do estilo pseudodocumental (found footage, como é conhecido esse subgênero). É bem verdade que
essa estratégia estética-narrativa já está muito gasta nos filmes de terror – a
maioria de qualidade bem duvidosa –, mas Shyamalan entrega-se a ela com tanto
fervor, aproveitando magistralmente seu potencial de criar tensão, que fica
difícil não dar o braço a torcer aqui. Diferente de muitos filmes, como o fraco
Atividade Paranormal [2007], que usam
o recurso para mascarar seu próprio amadorismo e tentar revertê-lo a seu favor,
Shyamalan não se faz amador em momento algum; cria, no máximo, a ilusão de
amadorismo. O trabalho de câmera é, inclusive, cuidadoso e muito ensaiado, com
uma interminável gama de planos-sequência (alguns bem desafiadores tecnicamente)
e enquadramentos tão arrojados que quase acreditamos que sejam espontâneos.
Para além de seu virtuosismo técnico (no que tange o
trabalho de câmera) admirável, Shyamalan encontra ainda, na sua abordagem
pseudodocumental, espaço para uma deliciosamente irônica metalinguagem. A
figura da menina aspirante a cineasta serve como válvula para que o diretor
indiano possa brincar livremente com clichês da linguagem, assim como lhe
permite fazer uso sarcástico (pelo próprio fato de estar sendo utilizado por
uma menina de 15 anos) do palavreado técnico metido a besta recorrente no meio
cinematográfico.
É fácil, entretanto, cair na armadilha de pensar que A Visita é apenas um entretenimento bem
filmado, cujo roteiro é uma mera formalidade. Não que seja um filme de profunda
reflexão, nem seria racional cobrar o mesmo dele, mas fato é que Shyamalan é
marcado por escrever de forma diferenciada dentro do gênero, sempre buscando
sair da superfície do mesmo sem prejudicar seu característico potencial de
divertimento. A Vila [2004] é o
exemplo mais direto do diretor tratando questões mais reflexivas num filme que
nunca deixa de ser um ótimo suspense.
Afinal, quantos diretores conseguem manipular os espectadores
com tanta facilidade? Quem viu o filme entenderá...
NOTA (4/5)
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