GUILHERME W. MACHADO
Corpos sufocados pelo ambiente e personalidades
compostas por ele. Moonlight, filme
papa prêmios do ciclo da crítica, mas mero espectador na corrida do Oscar
(embora deva sair com dois prêmios, não chega a brigar pelos principais:
filme/diretor), é um filme que consegue estabelecer uma abordagem sutil, ainda
que incorra seus excessos cênicos – fotográficos, principalmente – na tentativa
de adotar um tom operístico, que mais interfere com o bom fluxo de imagens do
que agrega a ele.
A história consegue abordar o pacote habitual de
questões sociais sem cair naquela caretice recorrente – tão recorrente que os
exemplos surgem de forma espontânea. Chiron, o protagonista, é um jovem afro-americano,
morador dos subúrbios, gay e cuja mãe é dependente de drogas. O interessante é
ver como Jenkins desenvolve muitas dessas problemáticas na ambientação, nos
pequenos hábitos que permeiam o filme sem precisar interferir bruscamente na
trama principal para que se façam notar. E não digo só em termos de direção, o
roteiro, mesmo com uma estrutura bem teatral (inclusive na forma como a
estrutura de três atos se apresenta), é muito hábil em tratar questões
delicadas de forma pouco apelativa.
Muito tem se falado sobre o filme pelo viés da identidade, dele como uma história sobre a busca do protagonista pela própria identidade. Tudo bem, é claro que essa é uma intenção de Jenkins – sendo esse o principal legado do personagem Juan, de Mahershala Ali, no enredo –, mas Moonlight me atingiu muito mais como uma obra que explora a relação (em geral de desconforto) dos personagens com o ambiente que os cerca. No viés sociológico, a obra dialoga muito sobre a influência do externo sobre o indivíduo, e como o macro afeta o micro; relação essa refletida visualmente pelo uso (abusivo, até) de foco raso, sem nenhuma profundidade do campo além dos personagens, costumeiramente posicionados muito próximos à câmera.
Aliás, embora perfeitamente conscientes, são essas
escolhas estéticas de Jenkins e seu diretor de fotografia Laxton que desgastam
um pouco a naturalidade do material. Pois Moonlight
flui num ritmo ótimo, muito bem editado com trabalho de câmera bastante fluido
(sempre câmera de mão, instável). O problema reside nas pontuais interrupções
causadas por esses excessos cênicos, como o slow motion sem som da mãe gritando
com o filho, ou os arroubos de luz semi-expressionistas, em tons drásticos, como
vermelho ou azul violeta... Mas, sinceramente? São pequenos apêndices por parte
de um diretor ainda iniciante, mas que em geral tem uma direção muito sólida e
segura no que almeja.
OBS: Jenkins não é nenhuma Claire Denis, mas seu talento em capturar gestos e corpos é digno de atenção. O próximo filme promete.
NOTA (3.5/5.0)
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