Pular para o conteúdo principal

Dunkirk (Christopher Nolan, 2017)


GUILHERME W. MACHADO

Ao dar uma entrevista sobre a versão estendida do relançamento de seu Aliens - O Resgate (1986), James Cameron a descreveu, muito habilmente, como "alguns quilômetros a mais numa estrada ruim", referindo-se ao ritmo intenso e sufocante de suspense do filme. Não parece ser muito diferente do objetivo que move Christopher Nolan na realização do seu novo Dunkirk: o de fazer um filme de guerra pelo prazer estético e sensorial de fazer, sem construção de personagens, sem nenhuma mensagem plenamente formada, quase sem um enredo propriamente dito. Apenas quase 2h de uma estrada ruim, ou de um voo turbulento.

Não que não haja nenhum sentido por trás do filme, mas sim que não é nenhuma possível construção de sentido o que o move. Dunkirk é uma história de guerra sem heróis, um retrato de combatentes anônimos, a maioria inclusive sem nome, e nenhum com qualquer história de vida pessoal. Sua anonimidade é tanta, e tão claramente intencional, que não os reconhecemos por uniforme nem por língua  pelo visto nem eles mesmos o fazem , estamos perdidos durante boa parte do filme sobre quem é o que. Não chegamos a ver um soldado alemão sequer e, à parte de alguns poucos aviões de bombardeio, o inimigo é uma ameaça invisível, onipresente, que sempre configura um perigo imediato sem nunca mostrar-se. Se Nolan faz algo bem em seu novo filme é transmitir a vulnerabilidade da situação que retrata.
Em Dunkirk, no litoral da França, a cidade-título não é nada se não um grande playground de explosões, tiros e ataques inesperados. Não estamos acompanhando a situação política ou militar da guerra naquele momento e francamente nem nos interessa, estamos nessa pelo espetáculo de violência e suspense. Se Nolan sempre foi ao mesmo tempo criticado e elogiado (seguramente não há cineasta mais polarizado no cenário atual) pelas suas pretensões de inserir conteúdo "inteligente" em seus filmes populares, em Dunkirk ele joga tudo pro alto e parte para um exercício puramente cinético, entrando muito mais na área de um Paul W.S Anderson do que de um Stanley Kubrick (comparação sem pé nem cabeça que insistem em tentar sustentar).

O problema é que Nolan não é Paul W.S Anderson, muito menos um Michael Mann (discutivelmente o melhor cineasta de ação de todos os tempos), e seu filme insiste em manter uma elegância de quem realmente gostaria de ser um Kubrick, ao invés de meter a cara na lama e sujar as mãos, como faria o tão desdenhado diretor de Pompéia (2014). Dunkirk não tem problemas em manter a tensão, nem em proporcionar as tão esperadas cenas grandiosas de batalha à lá "soldado ryan", mas carece de uma simplicidade narrativa que tornaria toda ação muito mais envolvente. E por simplicidade me refiro a estrutural, não a intelectual (pois aqui não há e nem deveria haver complexidade). Tudo bem que as montagens em paralelo já são uma marca de seu cinema, a qual ele executou com competência exemplar na trilogia O Cavaleiro das Trevas (2005, 2008, 2012) tranquilamente seu maior feito cinematográfico até então , mas aqui ela só serve como distração, como forma de fragmentar blocos de ação que funcionariam plenamente sozinhos e que agora tornam-se confusos na sua temporalidade. Uma preocupação desnecessária a se passar para o espectador, ao invés de simplesmente deixá-lo aproveitar a ação pelo que ela é.
Dunkirk no fim é um competente thriller de guerra que proporciona o que promete: uma boa sessão na sala de cinema. Criticá-lo além disso parece tão exagerado quanto exaltá-lo pelo que não é. Um filme de guerra amarradinho, politicamente correto sem sangue ou palavrões (um sacrifício semântico, se não artístico, que denuncia um certo caráter mercenário de permitir audiências mais amplas nas salas de cinema), e de pouca personalidade, mesmo que bem executado, pode ser travestido com todos discursos que queiram atrelar, mas nunca será uma obra-prima e, se fosse mesmo o melhor filme do ano (não é, ainda bem), isso falaria mais sobre uma hipotética crise do cenário cinematográfico atual do que sobre a própria qualidade do filme que, repito, é bom, e de muitas formas um avanço na carreira de Nolan, ainda que ele tenha feito melhores.

  NOTA (3/5)

Comentários

  1. Considero que todos os aspectos do filme estiveram muitos cuidados. Conheço o trabalho de Christopher Nolan já faz um tempo, na verdade é um dos meus diretores preferidos, e foi una e foi uma surpresa saber que ele iria produzir do filme Dunkirk 2017. O que mais eu gostei deste filme é a musica com a que a ambientaram cada situação da historia. Acho que o roteiro deste filme foi muito criativo e foi uma peça clave de êxito.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Interpretação do Filme Estrada Perdida (Lost Highway, 1997)

GUILHERME W. MACHADO Primeiramente, gostaria de deixar claro que A Estrada Perdida [1997], como muitos filmes de David Lynch, é uma obra tão rica em simbolismos e com uma narrativa tão intrincada que não é adequado afirmar tê-la compreendido por completo. Ao contrário de um deturpado senso comum, entretanto, creio que essas obras (aqui também se encaixa o mais conhecido Cidade dos Sonhos ) possuem sentido e que não são apenas plataformas nas quais o diretor simplesmente despeja simbolismos para que se conectem por conta própria no acaso da mente do espectador. Há filmes que mais claramente – ainda que não tão ao extremo quanto dito, pois não existe verdadeira gratuidade na arte – optam pela multiplicidade interpretativa, como 2001: Uma Odisseia no Espaço [1968] e Ano Passado em Marienbad [1961], por exemplo. Não acredito ser o caso dos filmes de Lynch, nos quais é possível encontrar (mediante um esforço do espectador de juntar os fragmentos disponíveis e interpretá-los) en

10 Giallos Preferidos (Especial Halloween)

GUILHERME W. MACHADO Então, pra manter a tradição do blog de lançar uma lista temática de terror a cada novo Halloween ( confira aqui a do ano passado ), fico em 2017 com o top de um dos meus subgêneros favoritos: o Giallo. Pra quem não tá familiarizado com o nome  –  e certamente muito do grande público consumidor de terror ainda é alheio à existência dessas pérolas  –  explico rapidamente no parágrafo abaixo, mas sem aprofundar muito, pois não é o propósito aqui fazer um artigo sobre o estilo. Seja para já apreciadores ou para os que nunca sequer ouviram falar, deixo o Giallo como minha recomendação para esse Halloween, frisando  –  para os que torcem o nariz  –  que essa escola de italianos serviu como referência e inspiração para muitos dos que viriam a ser os maiores diretores do terror americano, como John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, e até diretores fora do gênero, como Brian De Palma e Quentin Tarantino.