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Melhores Filmes da Década de 60

GUILHERME W. MACHADO

Continuação do projeto não-linear de cobrir décadas aqui no blog (links para as outras duas embaixo da postagem). Década absurda, talvez a minha favorita na história do cinema, a de 1960 era uma das que mais estive ansioso pra fazer. O problema que é comum em todas aqui é acentuado: alta densidade de obras-primas, fazendo com que seja complicado selecionar apenas 30 e quase impossível isolar apenas 10 (acabou que foram 11, tive que optar por um "empate" na décima posição). Por outro lado, o nível de excelência é notável, então espero que seja uma lista proveitosa.

A ordem no top 10 pouco importa, são filmes que vão além do absurdo, e a maioria dos outros 20 é composta de filmes que, em outras décadas, provavelmente teriam sido top 10. Fazer uma lista dos anos 60 é trabalho pra lunático.

Obs: essa lista não será fixa, e estará sempre sujeita à alterações


10. O CHICOTE E O CORPO (Mario Bava, 1963)

O filme que Guillermo Del Toro sempre sonhou em fazer, mas ficou apenas no trailer. Brincadeiras à parte, O Chicote e o Corpo é uma obra-prima do cinema gótico na forma mais essencial do gênero. Um antigo castelo em alguma praia europeia isolada, século XIX, aristocracia, intrigas, paixões proibidas, cores vibrantes, cenários luxuosos... É o cardápio completo, e conduzido pela mão firme de um dos maiores diretores do cinema de gênero de todos os tempos, Mario Bava. Uma das mais assombrosas e insanas histórias de amor e perversão no cinema.


10. DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS (Jacques Demy, 1967)

Cativante sequência de set pieces coloridas e números musicais. Jacques Demy foi o grande redentor do gênero musical com Os Guarda-Chuvas do Amor, mas foi em Duas Garotas Românticas que ele atingiu a leveza e o encanto máximo de seu cinema. No fim, é um delicioso jogo de encontros e desencontros românticos no qual Demy vai alimentando nossas expectativas a cada nova esquina virada pelos numerosos personagens que tanto custam a se cruzar. 


09. A ROTINA TEM SEU ENCANTO (Yasujiro Ozu, 1962)

Brilhante fim para a brilhante carreira de Ozu, em A Rotina tem seu Encanto o cineasta japonês volta ao seu tema mais caro: a necessidade da família patriarcal japonesa de ter sua filha casada enquanto ainda é jovem. É um belíssimo filme sobre envelhecimento, amizade, tradição, família, dono de uma organicidade cênica e narrativa que apenas um mestre poderia produzir com tanto encanto e beleza, pois sim, é um filme que enche os olhos.


08. O EXÉRCITO DAS SOMBRAS (Jean-Pierre Melville, 1969)

Filme definitivo da resistência: silencioso, sorrateiro, paciente. Jean-Pierre Melville foi um dos grandes artesãos do cinema na década de 60, com uma brilhante sequência de filmes de alto valor estético, mas é nesse seu último trabalho da década, casualmente o único em que foge de sua revisão do noir americano, que ele compõe sua magnum opus da encenação e do jogo de sombras. O número de cenas memoráveis é alto, mas nenhuma traduz melhor o filme do que aquela em que um dos membros da resistência acompanha silenciosamente uma festa em Londres na qual as pessoas dançam durante um dos frequentes bombardeios que afligiam a cidade. Ali fica claro: o preço da rendição total é muito maior que o da guerra.


07. A MULHER DA AREIA (Hiroshi Teshigahara, 1964)

Tal qual o filme que o sucede nessa lista, A Mulher da Areia é um filme que usa seu inóspito cenário como elemento ativo numa transformação psicológica. Estudo aguçado da relação humana com o ambiente no qual está inserido, e como o tempo age nessa equação formando uma sensação de pertencimento, mesmo nos lugares mais improváveis. A rotina como enclausuramento, sensualidade como tabu, e a obrigação como força opressora. A Mulher da Areia é um dos filmes conceitualmente mais intensos da década de 60, e um filme brilhante na sua execução.


06. LAWRENCE DA ARÁBIA (David Lean, 1962)

Escala é conteúdo, e, assim sendo, Lawrence da Arábia é um dos filmes mais ambiciosos já feitos. Profundo estudo de personagem, que contorna temas como a criação do mito e da figura messiânica, sublinhado com uma série de nuances sutis, o filme usa o deserto como opressivo cenário para a homérica jornada de Lawrence que de soldado de baixa patente passa a ser uma figura central na luta dos árabes contra os otomanos em plena Primeira Guerra Mundial. Peter O'Toole talvez tenha feito aqui a atuação mais brilhante do século XX.


05. A HORA DO LOBO (Ingmar Bergman, 1968)

O mais sombrio dos filmes de Bergman sobre a alma humana. Em A Hora do Lobo, Bergman captura com maestria a figura do artista torturado, quebrado emocionalmente, e que, em meio a devaneios criativos, se vê em meio a uma espécie de fábula sombria sobre uma aristocracia canibal. Acima de qualquer coisa, entretanto, A Hora do Lobo é o maior ensaio de Bergman e seu fiel escudeiro Sven Nykvist (diretor de fotografia), sobre luz e sombras, digno dos melhores exemplares expressionistas do cinema.


04. SE MEU APARTAMENTO FALASSE (Billy Wilder, 1960)

Das quentes praias da flórida de Quanto mais Quente Melhor, para o rigoroso inverno nova iorquino de Se Meu Apartamento Falasse, Billy Wilder talvez seja o autor que melhor captou o espírito romântico clássico da antiga Hollywood. Ao contrário do filme anterior, que é uma obra-prima de bom humor, leveza e sagacidade, Se Meu Apartamento Falasse é melancólico, íntimo e mais sóbrio. Excelentes inserções humorísticas, através dos afiados diálogos (marca de Wilder), não interferem com um filme que é essencialmente um drama romântico, e um dos melhores que o cinema já viu, num pacote completo de qualidade, seja nas atuações, direção, enredo, diálogos, trilha sonora, e até fotografia e direção de arte.


03. O DESPREZO (Jean-Luc Godard, 1963)

Godard quase que sozinho poderia preencher esse top 10, fosse essa a proposta. Acabei isolando O Desprezo para o pódio por me parecer agora o filme que melhor representa sua fase sessentista: a cinefilia pulsante, que faz questão de se mostrar sempre que pode; a extravagância cênica no seu ímpeto de esticar os padrões de linguagem cinematográfica que até então eram aceitos (coisa que, ao longo de sua vasta carreira, apenas se acentuou); a obsessão com a musa, que aqui não é a sua esposa Anna Karina, mas a mulher que era o maior sex symbol da nação, Brigitte Bardot; e até o lado pulp que permeava seus materiais nesse período tão fervilhante e inicial de sua carreira.


02. ANO PASSADO EM MARIENBAD (Alain Resnais, 1961)

Para além de todo vanguardismo (que é notável e chega a assustar muitos espectadores), Ano Passado em Marienbad é mais uma - e talvez a mais poderosa - obra-prima de Resnais sobre o tempo e a memória. Aqui, como é o caso em muitos de seus filmes, ambos situam-se fortemente fragmentados, mas é dessa acentuada e permanentemente confusa fragmentação que surge uma estrutura labiríntica hipnotizante, permeada por imagens da mais alta pungência e dos enigmas mais penetrantes já elaborados no cinema. Filme de incontáveis revisões e inesgotáveis prazeres.


01. PSICOSE (Alfred Hitchcock, 1960)

O filme máximo das pessoas perdidas, fraturadas pelo passado e esmagadas pelo presente ao qual aquele os trouxe. Um antro pessimista de sonhos e romances que nunca se realizarão e, além de tudo, uma obra-prima revolucionária no cinema de horror e suspense americano. Todas as magníficas atuações refletem o desespero que é tão latente nessa obra-prima de Hitchcock, e é desse desespero, da nossa inquietante espreita (como a câmera-mosca que invade a janela dos amantes na primeira cena) de ver aquelas pessoas tentando inutilmente mudar suas condições, que surge o mais poderoso nível de horror.

20+
(ordem alfabética)

2 ou 3 coisas que eu sei dela (jean-luc godard, 1967)
beijo amargo, o (samuel fuller, 1964)
convidado bem trapalhão, um (blake edwards, 1968)
criado, o (joseph losey, 1963)
dr. fantástico (stanley kubrick, 1964)
eclípse, o (michelangelo antonioni, 1962)
era uma vez no oeste (sergio leone, 1968)
harakiri (masaki kobayashi, 1962)
homem que matou o facínora, o (john ford, 1962)
kuroneko (kaneto shindô, 1968)
pássaros, os (alfred hitchcock, 1963)
persona (ingmar bergman, 1966)
pierrot le fou (jean-luc godard, 1965)
playtime (jacques tati, 1967)
processo, o (orson welles, 1962)
são paulo, sociedade anônima (luís sérgio person, 1965)
terra em transe (glauber rocha, 1967)
um passo da liberdade, a (jacques becker, 1960)
viridiana (luis buñuel, 1961)


Veja também

Melhores Filmes da Década de 40
Melhores Filmes da Década de 70


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Por mais que as escolhas sejam de caráter privado, fiquem a vontade para questioná-las (respeitosamente) nos comentários e, principalmente, fazer sugestões. Boas recomendações de filmes são sempre bem-vindas.

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