Pular para o conteúdo principal

A Forma da Água (Guillermo Del Toro, 2017)

GUILHERME W. MACHADO

Depois de uma sucessão de filmes que pareciam muito mais preocupados em explorar tonalidades visuais, é estranho que Del Toro entregue um filme tão menos intenso e inventivo naquilo que lhe é mais caro como cineasta: a forma. Ainda mais por esse A Forma da Água ter vindo logo depois daquele que provavelmente é seu filme mais bem resolvido no aspecto artesanal e estético de seu trabalho (ainda que altamente problemático em quase todos outros): A Colina Escarlate (2015).

Que Del Toro é um cineasta com pouca aptidão com os quesitos dramáticos é algo claro já desde o primeiro dos seus 25 anos de carreira, com Cronos (1993). O que seus fãs tanto chamam de suas obsessões temáticas nada mais é do que uma caracterização pesada e altamente maniqueísta de bem e mal, sempre com um vilão de ares cartunescos e um(a) protagonista que é a inocência incarnada. A imensa maioria de seus personagens são caricaturas pesadas, com pouca ou nenhuma complexidade. Pode ser a faxineira negra pobre que sempre reclama do marido, o vizinho artista homossexual acessório, o maligno homem branco em posição de poder, ou qualquer outro personagem de seus filmes; eles geralmente são representações plenas de estereótipos sociais (o que não é nenhum mal em si, mas que Del Toro não utiliza com ares contestadores ou mesmo cínicos).
Por outro lado, pode-se argumentar que tais inaptidões pouco importam no tipo de cinema praticado pelo mexicano, o que até certo ponto é verdade. Mas antes tais problemas fossem reservados apenas ao texto (roteiro). Alguns de seus filmes, mas A Forma da Água em particular, encontram dificuldades com o ritmo. Nesse caso isso acontece muito pela fragilidade na sensualidade que Del Toro tenta imprimir e que acaba abordando com a sutileza de um rinoceronte, que não deixa de lembrar Tim Burton (cineasta com sérios problemas nessa área, mas com outras habilidades consideráveis), com quem divide algumas semelhanças.

Outro problema relacionado, que é surpreendente justamente por ser um dos pontos fortes do cineasta, é o quanto esse filme falta em atmosfera. De novo remeto ao seu filme anterior, A Colina Escarlate, por conta do contraste completo: lá tudo era atmosfera, é o pilar que (sozinho) justifica o filme. Em A Forma da Água não há planos de ambientação suficiente, nem o tempo devido (a história sempre parece corrida) para que Del Toro crie um cenário – e como cenário não me refiro aos sets de filmagem – que incorpore as melhores qualidades do seu cinema. Nesse caso não é nem apenas uma questão de apelo visual, pois claro que a fotografia e o design de produção do filme são bonitos, mesmo que pouco inspirados em comparação a seus trabalhos anteriores, e sim de estabelecer uma sensação de envolvimento e urgência através de uma combinação sinérgica de ritmo, ambientação, trilha sonora, ou quaisquer outros recursos narrativos disponíveis.

Tudo bem, suponho que, se for para caminhar nos passos de algum diretor passado, seja melhor ser um sub-Bava ou sub-Argento do que, sei lá, um sub-Lumet, principalmente no que tange à forma e à estética. Mas acho que Del Toro é um cineasta capaz o suficiente para passar da fase de tentar replicar visualmente um Suspíria (1977), ou até um O Chicote e o Corpo (1963), e realmente focar nas forças particulares de sua obra, a maioria delas insatisfatoriamente ausentes em A Forma da Água e subdesenvolvidas mesmo em seus outros projetos mais interessantes.

NOTA (2.5/5.0)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Retrospectiva: 1977

GUILHERME W. MACHADO Percebi que 2017 já está quase acabando e tem vários grandes anos "aniversariantes" para os quais ainda não prestei homenagem. Entre eles, 1977. 77 foi ao mesmo tempo um ano de consolidação da maturidade de antigas lendas quanto do surgimento ainda cru de outras novas, o que se reflete de forma tão óbvia nessa seleção com jovens em ascensão como Lynch, Scorsese e Woody Allen intercalados com figurões consolidados como Buñuel, Resnais e Cassavetes. No meio destes há ainda grandes como Herzog (que certamente está na briga quando se fala no melhor cineasta daquela década) e Argento, ambos também em processo de amadurecimento.

Três Homens em Conflito (Sergio Leone, 1966)

GUILHERME W. MACHADO De tempos em tempos, pra não dizer de décadas em décadas, surgem alguns poucos filmes realmente revolucionários, que mudam a percepção sobre o que já passou e alteram os padrões para o que está por vir. Três Homens em Conflito [1966] é uma dessas obras, um filme que surgiu como o verdadeiro expoente do famoso “western spaghetti” (criado pelo próprio Leone) e do próprio cinema de entretenimento de forma geral. Sergio Leone garantiu, portanto, seu lugar na história do cinema nesse último, e melhor, filme de sua Trilogia dos Dólares (todos estrelados por Clint Eastwood).