GUILHERME W. MACHADO
Não antes de passados 9 minutos da projeção de O Samurai [1967] que há a primeira fala do
filme. Até então somos apresentados – de forma absolutamente apropriada,
deve-se dizer – à Jef Costello, um homem enigmático, elegante e que opera por
um código pessoal rígido e claramente fora da lei. Com pouco menos de 10
minutos de imagens habilmente construídas e editadas, Jean-Pierre Melville cria
e expõe um dos personagens mais emblemáticos da história do cinema, que viria a
ser inspiração para muitos outros, como o Neil McCauley (Robert De Niro) em Fogo contra Fogo [1995], ou mais recentemente
(e descaradamente) o motorista de Drive
[2011], interpretado por Ryan Gosling.
O Samurai é tanto um intrigante estudo de personagem, tendo Jef
Costello como centro absoluto da obra, quanto o renascimento triunfal do noir
sob os moldes europeus. É, portanto, um filme que transborda elegância e
estilo, mas que agrega também uma faceta mais existencialista e reflexiva às
características já tão marcadas do noir. O interessante é como que o filme
abraça essas duas propostas sem fazer com que uma prejudique a outra.
Estuda-se, portanto, o personagem de Costello (imortalizado pelo jovem astro
francês Alain Delon) apenas através de recursos audiovisuais, pelas suas ações,
transmitidas majoritariamente através de imagens, com o mínimo possível de
diálogos. A única e breve explicação – que assume uma função mais de construção
poética do que informativa – é a citação inicial do bushido (código dos
samurais).
Como o mestre italiano Sergio Leone deu nova vida ao
western, revolucionando-o com filmes como Três Homens em Conflito [1966] e Era uma
Vez no Oeste [1968]; tinha que ser o diretor francês Jean-Pierre Melville –
talvez o melhor diretor de filmes policiais do cinema – o europeu que
revitalizaria o noir e ampliaria seus horizontes. Seu contato com esse famoso
gênero tradicionalmente americano começou mais discretamente com Bob, o Jogador [1956], mostrando-se mais
claro no elegante Dois Homens em
Manhattan [1959], evoluindo alguns anos depois numa obra-prima pouco
conhecida: Técnica de um Delator
[1962]. Seu amplo reconhecimento internacional chegou, todavia, apenas 5 anos
depois com O Samurai, tido como seu
principal filme – ainda que eu ache tal posto discutível dentro de sua
brilhante filmografia.
Melville nos mostra uma Paris diferente, acinzentada,
não glamuralizada. Todo trabalho estético do filme – encabeçado neste aspecto
pela ótima direção de fotografia – busca uma imagem mais fria, quase
monocromática durante o dia e muito escura nas cenas noturnas. A paleta de
cores foca nos tons de cinza, que cobrem a película até mesmo no figurino do
protagonista. Aqui há o maior distanciamento do noir clássico, a maior adição
de Melville para o gênero: o uso da cor. O noir, em sua origem, foi marcado por
uma forte influência do expressionismo alemão, tendo ficado característica a
fotografia em preto e branco com bastante contraste e muito uso de sombras,
diferentemente do filme de Melville que pouco contrasta o predominante tom
cinzento.
O Samurai faz parte daquela seleta de filmes do final dos anos 60 que marcam o início daquilo que seria o cinema moderno (em contraponto ao cinema clássico hollywoodiano), acompanhado por títulos como Blow-Up [Michelangelo Antonioni, 1966] e Três Homens em Conflito [Sergio Leone, 1966]. Uma obra de imenso valor na história dessa arte e um exemplo a ser tomado por todos filmes policiais ou thrillers em termos de elegância e estilo estético-narrativo.
O Samurai faz parte daquela seleta de filmes do final dos anos 60 que marcam o início daquilo que seria o cinema moderno (em contraponto ao cinema clássico hollywoodiano), acompanhado por títulos como Blow-Up [Michelangelo Antonioni, 1966] e Três Homens em Conflito [Sergio Leone, 1966]. Uma obra de imenso valor na história dessa arte e um exemplo a ser tomado por todos filmes policiais ou thrillers em termos de elegância e estilo estético-narrativo.
NOTA (4.5/5.0)
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