GUILHERME W. MACHADO
Apesar deste não ser um ato recorrente por si só, geralmente
quando escrevo sobre um filme de terror acabo falando muito sobre minha
insatisfação com o cenário atual do gênero. Não pretendo fazer isso desta vez. Corrente do Mal, como todo filme que
chega com boa hype, foi alvo de exageros por duas partes dentro da crítica
especializada: uma considerou-o uma revolução no gênero, um filme de extrema
originalidade; a outra opôs-se justamente à essas afirmações, buscando diminuir
o filme ao citar suas influências.
É engraçada a forma como a história do filme funciona.
Basicamente o enredo é sobre uma espécie de maldição passada pelos jovens “já
perseguidos” aos seus parceiros sexuais, fazendo com que eles sejam perseguidos
por um ser incontrolável até que morram (pelas mãos deste) ou o passem para
outra pessoa, através do sexo. Sim, Corrente
do Mal leva ao extremo a associação de sexo = morte presente nos filmes de
terror desde que Bava fez Banho de Sangue [1971] e inaugurou o slasher. A graça à qual me refiro não está na história em
si (que por sinal é bem tensa), mas sim no seu funcionamento paradoxal. Quando
lida, parece terrível, quase ridícula, mas quando a vemos contada através de
imagem e sons, na narrativa audiovisual, é impossível não levá-la completamente
a sério.
Isso só serve para ilustrar, além da notável
capacidade do cineasta iniciante David Roberts Mitchell, como há diferença
entre as artes e mídias. Corrente do Mal
é dotado de um ritmo e de uma imersão narrativa que somente o cinema poderia
lhe proporcionar. Essa atmosfera passada pelo conjunto de imagens e sons é o
que confere a sensação constante de medo do filme, que não precisa apoiar-se no
recurso falho do susto – que não chega a ser ausente no filme, mas nunca é seu
ponto focal. E Corrente do Mal é sim
bastante assustador, sufocante até, sem jamais ser banal; pelo contrário, há um
respeito admirável aqui com o espectador.
A construção dos personagens chama atenção, não pela
sua complexidade, mas pela diferença de tratamento dentro do que é comum no
gênero. Não nos deparamos aqui com os típicos jovens estúpidos que quase chegam
a merecer suas mortes. Há maturidade emocional compatível com o que se espera
da situação e, mais importante, há espaço para conexão por parte do espectador
com os personagens. Não somos indiferentes aos seus futuros, os compreendemos e
torcemos pelos seus sucessos.
Corrente do Mal, como dito, se sobressai como produto audiovisual,
aproveitando bem os potenciais oferecidos por essa mídia. As imagens são bem
compostas, ainda que com um trabalho de câmera por vezes espalhafatoso (alguns
planos alongam-se e o excesso de movimentos cansa), mas que não chega a desqualificar a boa direção, e bem tratadas pela
fotografia que cria um visual bastante interessante para a atmosfera do filme.
É a trilha sonora, entretanto, que rouba os holofotes pela excelente composição
de clima e a forma como acentua a tensão passada.
OBS: Não costumo reclamar sobre traduções de títulos,
mas nesse caso específico, o original é BEM melhor.
NOTA (4/5)
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