GUILHERME W. MACHADO
Acredito que tenha sido um impulso subconsciente –
embora não possa afirmar que não foi, de fato, uma escolha consciente – que
levou Alfred Hitchcock a tantas vezes retratar a angústia de mulheres presas
pelo casamento ou convenções sociais. Parando pra pensar, é um tema bastante
prolífico na carreira do diretor, com uma listagem de obras surpreendentemente
extensa, mas nunca de forma tão frontal quanto em dois filmes: Interlúdio [1946] e esse Sob o Signo de Capricórnio [1949].
Filmes que compartilham, além do diretor e desse tema específico, da
mesma atriz, Ingrid Bergman.
É realmente tentador classificar Sob o Signo de
Capricórnio como um "Hitchcock menor", afirmação que mais ignora as qualidades do filme do que celebra as dos seus maiores clássicos. Geralmente visto por espectadores já bem acostumados com o
célebre diretor, costuma ser varrido para baixo do tapete de obras primas
do mestre. Seguramente, a maior maldição do filme não está nele próprio, e sim no fato de ter sido feito por Alfred Hitchcock, herdando todas implicações que vem com o nome (não é, afinal, um filme de suspense, como espera o público). E, embora injusto, é
normal, confesso que também precisei de uma segunda conferida para apreciar
essa peculiar incursão de Hitchcock no melodrama de época, dessa vez sem
expectativas, apreciando simplesmente aquilo que estava à minha frente, e não
procurando outro Vertigo [1958] ou, pelo tema, um Rebecca [1940].
Sob o Signo de
Capricórnio é Hitchcock num dos
momentos de maior experimentação dentro de sua mise-en-scène. A câmera flutua pelos
imponentes sets, seguindo personagens, descendo corredores, subindo escadas...
Há um apreço pelo plano-sequência, herdado do recém feito Festim Diabólico [1948] – uma de suas obras máximas –, que
aqui já se mistura com o apurado senso de decupagem do diretor, fazendo desses
planos não o próprio alicerce do dispositivo cênico, como foram no filme
anterior, mas partes de um vigoroso
exercício de adaptação de Hitchcock em relação à sua própria forma de
dirigir.
A história acompanha um triângulo amoroso nos
primeiros tempos da Austrália colonial. Há todo um jogo de segredos, invejas e
culpas que tecem um estranho estudo de personagens. Sim, há estranheza no
enredo de Sob o Signo de Capricórnio,
que pode incomodar justamente pela eventual falta de clareza do rumo que o
filme pretende seguir. Por outro lado, é um cenário rico em intrigas, com uma
coleção de personagens moralmente ambíguos e que transbordam
sentimento, trazendo toda uma urgência para sua situação. A falta de “bom
mocismo”, o fato dos personagens serem falhos e tridimensionais, é um grande
achado do filme.
Curioso que a irregularidade de Sob o Signo de Capricórnio se dá justamente no contraste entre os dois ambientes que o filme parece ocupar. Está no seu melhor quando nos coloca dentro da mansão onde habitam os únicos personagens realmente relevantes (o quarteto formado pela governanta e o triângulo amoroso) – e a intimidade com a qual Hitchcock nos mostra os conflitos desse bloco justifica a escolha pelos planos sequência, cuja necessidade é questionada por alguns. Os problemas do filme aparecem no mundo exterior, ou por intervenções deste, que não passa muito de uma fastidiosa vitrine de caricaturas e cacoetes de filme de época.
Um ótimo filme pode parecer pouco vindo do maior
diretor de todos os tempos, mas ele é, ainda, um filme ótimo. Como na carreira
de todo grande diretor, sempre tem aquelas obras que recebem tratamento injusto
precisamente pela grandiosidade de seus realizadores. Sob o Signo de Capricórnio é, talvez, o mais subestimado filme de
Alfred Hitchcock.
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