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Sniper Americano (Clint Eastwood, 2014)

GUILHERME W. MACHADO

O que faz um herói? Adotando uma proposta menos radical do que a do clássico de Martin Scorsese (Taxi Driver, 1976), Clint Eastwood desconstrói o típico herói americano, puxando desde suas origens até o fim de sua trajetória, mostrando-nos uma ótica que nem sempre corresponde com a idealização feita sobre o ídolo popular. Clint pode ser uma personalidade pública de opiniões fortes e de visão política abertamente republicana; durante sua carreira sempre se destacou, entretanto, por sua imparcialidade como diretor – sobre os mais diversos assuntos – e seu total respeito pelo ser humano e seus direitos, vide filmes como Invictus (2009), Gran Torino (2008) e Cartas para Iwo Jima (2006). Acredito piamente que há, pelo menos sempre deveria haver, um distanciamento entre a pessoa privada e a pessoa artística que estende-se, também, às obras.

De  fato, o protagonista de Sniper Americano é um símbolo do patriotismo cego, mas aqui ele é apenas um retrato humano (desmistificado) do típico soldado-herói. O roteiro mergulha na essência dessa figura e a apresenta com uma precisa construção psicológica, fazendo desta obra muito mais um estudo de personagem do que um filme de guerra propriamente dito. Chris Kyle visto de longe pode parecer um grande herói; Clint Eastwood nos mostra, todavia, uma visão mais próxima, revelando um homem cuja personalidade foi esculpida a mão de ferro pelo seu pai, um homem que, como todos, tem suas inseguranças, que é alienado à sua família, um homem perturbado pelas coisas que teve que fazer em nome de sua pátria (ainda que ele mesmo tenha relutância em reconhecer).
A estrutura narrativa do filme se dá através de um fluxo de informações cuja temporalidade é dosada com duas preocupações aparentes: não deixar o ritmo cair – há, afinal, uma preocupação saudável com a comercialidade do filme , e a de não construir a figura de Kyle através de uma simples progressão de eventos em ordem real, mas sim promover uma desconstrução de uma personalidade que, não por acaso, acaba refletindo sintomas de uma nação inteira. Porque, sim, Sniper Americano é um filme sobre a América, como o título não deixa enganar, e o retrato pintado aqui tende mais ao cinismo – sendo os créditos finais o ápice desse sentimento  do que à glorificação.

Sobre a execução em si, justo ressaltar que as cenas de ação são muito bem dirigidas, sem abandonar a classe que é peculiar de Eastwood. O diretor explora muito bem o ambiente da guerra, frequentemente enquadrando a imagem através de fendas, como se víssemos a ação do mesmo ponto de vista que Kyle. Enquanto guerra, é um filme tecnicamente muito eficiente, seja em montagem, som, ou até fotografia, que, louvavelmente, recusa qualquer estilização maneirista e demonstra muito respeito em relação a violência representada, que nunca é banalizada ou espetacularizada. Já no âmbito civil, há alguns problemas de ritmo, provavelmente por excesso de cautela na montagem, mas que, por outro lado, não cedem lugar ao melodrama e encaminham o filme numa visão mais crítica/conceitual e menos piegas.
Polêmicas à parte, Sniper Americano é um filme com muitos méritos em sua realização, que nunca se rende à simples ação nem aos maneirismos frequentes no gênero. Um conjunto competente (parte técnica, roteiro e atuações, principalmente a injustiçada Sienna Miller) guiado pela experiente mão de Eastwood, que mais acerta do que erra, resulta num ótimo filme que encontra um bom ponto de equilíbrio entre a popularidade e a qualidade cinematográfica.

NOTA (4/5)

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